C A R R E G A N D O . . .

Instituto Libertário Cristão

Lawrence W. Reed1

Em cada campanha eleitoral ouvimos a palavra “compaixão” ao menos umas mil vezes. Um partido político supostamente a tem, o outro, não. Os programas de um governo grande são a prova da compaixão: cortar o governo é sinal de um maldoso coração frio. Pelo mau uso do termo para vantagens partidárias, sequazes e ideólogos mancharam totalmente o verdadeiro significado da palavra. 

O fato é que algo do que foi rotulado como “compassivo” é exatamente isso, e isso faz um bem enorme; mas muito do que foi rotulado de “compassivo” não é nada disso, e faz um mal enorme. O primeiro tente a ser de natureza muito pessoal, ao passo que o último põe um fardo involuntário sobre outrem. 

Como Marvin Olasky ressaltou em seu livro de 1994, The Tragedy of American Compassion [A Tragédia da Compaixão Norte-Americana], a definição original de compaixão, como observada no Dicionário Oxford é “sofrer com o outro, participação no sofrimento”.2 A ênfase, como a própria palavra mostra – “com” e “paixão”, do termo latino “pati” que significa “sofrer” – está no envolvimento pessoal com os necessitados, sofrer com eles, não apenas dar-lhes algo. Noah Webster, na edição de 1834 de seu American Dictionary of English Language, definiu de modo semelhante compaixão como “sofrer com outrem”.

No entanto, a maioria das pessoas emprega o termo hoje como uma corrupção do original. Veio a significar um pouco mais do que isso, como observa Olasky, “ o sentimento ou a emoção quando a pessoa é tocada pelo sofrimento ou pela aflição de outrem e deseja aliviá-lo”. Há uma imensa diferença entre as duas definições: uma exige ação pessoal e a outra, simplesmente, um “sentimento” que normalmente é acompanhado por um chamado de outra pessoa – a saber, o governo – para lidar com o problema. Um descreve um voluntário da Cruz Vermelha, o outro, o demagogo progressista que pouco ou nada dá dos próprios recursos, mas doa muito dos outros. 

Está claro que a compaixão do governo não é a mesma coisa que a compaixão pessoal ou privada. Quando esperamos  que o governo substitua o que nós mesmos devemos fazer, esperamos o impossível e terminamos com o intolerável. Realmente não resolvemos os problemas, apenas os gerenciamos de maneira cara para se perpetuarem e criamos, ao longo do caminho, um punhado deles. 

A partir de 1965, o início da assim chamada Guerra à Pobreza, até 1994, o gasto total em Bem-Estar Social nos Estados Unidos foi de 5,4 trilhões de dólares, em moeda de 1993. Em 1965, o gasto total do governo com Bem-Estar era um pouco mais de 1% do produto interno bruto, mas, por volta de 1993, aumentou para 5,1% do PIB anual – superior ao recorde durante a Grande Depressão. A taxa de pobreza em 1994 era quase exatamente a mesma de 1965 e agora, vinte anos depois, é ainda maior. Era evidente quando a “reforma do bem-estar social” foi decretada em 1996 que milhões dos que viviam à custa do sistema de bem-estar tinham vidas de dependência desmoralizante; famílias foram recompensadas por terem se partido e o número de crianças nascidas fora do vínculo conjugal foi estratosférico – fatos terríveis realizados, em grande parte, por programas governamentais “compassivos”. 

A vontade de uma pessoa de dispender fundos governamentais em programas de auxílio não é prova de que a própria pessoa tem compaixão. O professor William B. Irvine, da Wright Sate University em Dayton, Ohio, certa vez explicou: “Seria absurdo tomar a disposição da pessoa para aumentar o gasto com a defesa como prova de que ela mesma é corajosa; ou tomar a disposição da pessoa de dispender dinheiro público em programas de atletismo como prova de que a pessoa está em boa forma física”. Da mesma maneira como é possível para um preguiçoso auxiliar o governo ao custear equipes atléticas, é possível para uma pessoa que não tenha compaixão favorecer vários programas de auxílio do governo e, inversamente, é possível que pessoas compassivas se oponham a tais programas. 

É um erro usar as crenças políticas de uma pessoa como o teste decisivo de sua compaixão. O professor Irvine disse que se quisermos determinar quão compassivo é um indivíduo, perderemos tempo ao perguntar em quem ele votou. Devemos perguntar quais contribuições à caridade ele fez e se fez algum trabalho voluntário ultimamente. Também podemos perguntar como responde às necessidades dos parentes, amigos e vizinhos. 

Muitos dos políticos favoráveis ao Bem-Estar mais estridentes do mundo também constam entre os hipócritas mais duvidosos e egoístas (no mau sentido). Enquanto conservadores e libertários que pregam o Estado mínimo, em geral, doam com generosidade dos próprios bolsos, as organizações de caridade muitas vezes tem sorte de ganhar pouco mais que doações simbólicas dos “progressistas” do mundo. Para um monte de evidências a esse respeito, ver o livro de 2006, Who Really Cares? [Quem Realmente se Importa?] de Arthur Brooks, na ocasião, na Universidade de Siracusa e, agora, presidente do American Enterprise Institute

Vale  notar que nem mesmo os progressistas doam para agência supostamente “compassivas” do governo um centavo a mais do que a lei exige que o façam. Não a nada de ilegal em assinar um cheque para o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, mas os progressistas quando buscam ajudar pessoalmente os outros, tendem a assinar cheques para agências privadas. 

A verdadeira compaixão é um baluarte de famílias e comunidades sólidas, de liberdade e autoconfiança, ao passo que a falsa compaixão do segundo uso é repleta de grandes perigos e resultados dúbios. A verdadeira compaixão é a de pessoas ajudando pessoas por um senso de cuidado e fraternidade genuíno. Não é pedir ao legislador ou ao parlamentar que o faça por você. A verdadeira compaixão é uma coisa profundamente pessoal, não um cheque de uma burocracia distante. 

Numa entrevista de televisão em Nassau, nas Bahamas, em novembro de 2012, Wendall Jones perguntou-me: “Sr. Reed, o que dizer do Bom Samaritano do Novo Testamento? Essa história não demonstra que o governo deve ajudar o pobre?” Minha resposta foi: “Wendall, o que tornou o Bom Samaritano bom foi o fato de ele ter ajudado pessoalmente o homem ferido ao longo da estrada. Se simplesmente tivesse dito ao camarada desamparado que ligasse para o seu parlamentar, ninguém até hoje ousaria chamá-lo de outra coisa senão inútil”. 

“Mas o que dizer do próprio cristianismo?”, Jones, então, me perguntou. “Não é favorável à redistribuição como um modo compassivo de ajudar o pobre?”. Felizmente, seu um pouco de Bíblia e de cristianismo. Minha resposta: “ Wendall, o oitavo mandamento diz: ‘ Não roubarás’ ; não diz: ‘Não roubarás a menos que a outra pessoa tenha mais que você ou a menos que você esteja convencido de que pode gastar melhor ou que possa encontrar um político que tome o dinheiro em seu nome”. E ainda mais sobre esse assunto, um novo livro: For the Least of These: A Biblical Answer to Poverty [Ao Menor Destes: Uma Resposta Bíblica à Pobreza]3, responde essa pergunta de modo detalhado e acadêmico. 

Os progressistas muitas vezes estão convencidos de sua superioridade moral, mas tendem a ser muito intolerantes com um bom argumento de oposição. O sr. Jones editou o diálogo acima antes do programa ir ao ar, mas vocês podem ver o restante aqui.

O mercado é, com frequência, repudiado como um lugar frio, impessoal e egoísta, onde a compaixão fica atrás do autointeresse. Entretanto, essa visão ignora alguns fatos importantes:  1) o mercado é o que produz a riqueza que a compaixão permite que você partilhe ou doe; 2) Historicamente, as mais livres das sociedades são as mais compassivas no sentido verdadeiro do termo; 3) Não é ser um empregado do governo a gastar o dinheiro de outrem que o torna mais compassivo ou eficaz que o restante da sociedade; 4) A “compaixão” governamental, normalmente, é desviada para compra de votos e programas que perpetuam esses mesmos problemas que supostamente remediam. Os noticiários nos recordam diariamente que não há escassez de “severidade” no governo – bem como de ganância, desperdício, fraude e ineficiência. 

Da próxima vez que você ouvir a palavra “compaixão”, analise quem a invoca para descobrir se ela realmente sabe do que está falando – ou, ao menos, para definir se essa pessoa é compassiva com os próprios recursos.

*Este artigo foi originalmente publicado na Foudation for Economic Education.


Resumo 
  • “Compaixão” não é apenas dar algo, especialmente, se o que você está dando não é seu;
  • A verdadeira compaixão significa envolver-se pessoalmente;
  •  Por instinto, quando queremos ajudar o próximo com nosso tempo e recursos, tendemos a fazer isso ao doar nosso tempo e dinheiro para agentes privados, e não para os públicos;
  • O mercado, onde o autointeresse é um motivador poderoso para a criação de riqueza, é, portanto, a fonte primária para qualquer riqueza que a pessoa quer doar.
Para informações adicionais, ver:
Notas de rodapé
  1. Nota do editor: Uma versão anterior desse ensaio foi publicada pela Foundation for Economic Education com o título de “What Is Real Compassion?”. ↩︎
  2. Em português, no dicionário Caldas Aulete, temos como definição de compaixão: “Sentimento pesar, pena e simpatia para com o sofrimento de outrem, associado ao desejo de confortá-lo, ajudá-lo”. (N.T.) ↩︎
  3. Anne Bradley and Art Lindsley, eds., For the Least of These: A Biblical Answer to Poverty, Bloomington, IN: Westbow Press, 2014. ↩︎

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