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Instituto Libertário Cristão

Joseph Solis-Mullen

Poucas questões dividiram tanto os liberais ao longo dos séculos quanto o lugar da religião em uma sociedade livre. Alguns enxergaram a fé como irrelevante para a liberdade, um campo separado que deveria permanecer inteiramente isolado da política. Outros a consideraram como a verdadeira inimiga da liberdade, apontando para séculos de repressão clerical. Houve também aqueles que argumentaram que a religião era útil, funcionando como sustentáculo da coesão social em um regime de governo limitado. Por fim, havia um grupo mais ousado que afirmava que a religião, em especial o Cristianismo, não apenas é compatível com a liberdade, mas também lhe é essencial, tanto do ponto de vista histórico quanto conceitual. 

Ralph Raico, em sua tese The Place of Religion in the Liberal Philosophy of Constant, Tocqueville, and Lord Acton [“O lugar da religião na filosofia liberal de Constant, Tocqueville e Lord Acton”, em tradução livre], defendeu que essa última posição era a correta e que ela expressa o núcleo do pensamento de três dos mais importantes liberais do século XIX. Entre eles, Lord Acton talvez seja o exemplo mais marcante: um aristocrata católico e historiador whig que acreditava que a liberdade, sem a fé, estava condenada a se degradar em materialismo ou relativismo. 

O ponto de partida de Acton: Catolicismo e Whiggismo 

A formação intelectual de Acton já sinalizava a tensão que marcaria toda a sua vida. Ele nasceu em uma família católica ligada às grandes aristocracias católicas do continente europeu e, ao mesmo tempo, por meio de seu padrasto, estava conectado à aristocracia whig britânica. Sob a influência de seu professor, o teólogo alemão Ignaz von Döllinger, Acton mergulhou no renascimento católico dos estudos acadêmicos na Alemanha do século XIX. Paralelamente, absorveu a tradição whig de liberdade constitucional. 

O jovem Acton acreditava que essas duas tradições não precisavam entrar em conflito. Como mostrado por Raico, Acton sustentava que existia uma “noção católica de estado”, cujos princípios, devidamente compreendidos, se alinhavam à tradição constitucional inglesa. Somente o catolicismo, sugeria ele, poderia fornecer o fundamento metafísico do constitucionalismo. “Apenas a verdadeira religião corresponde à verdade na política”, escreveu ele, “do contrário, é certo que haverá uma ruptura em algum ponto da harmonia.” Durante algum tempo, chegou até mesmo a descrever a Inglaterra e Roma como “os dois grandes poderes conservadores”. 

Essa síntese refletia sua admiração por Edmund Burke, a quem ele certa vez chamou de “o profeta e a lei” do pensamento político. Na resistência de Burke tanto ao radicalismo da Revolução Francesa quanto ao racionalismo abstrato da filosofia iluminista, Acton via um exemplo de como visões caras ao catolicismo e à liberdade constitucional poderiam se reforçar mutuamente. 

A liberdade como ordem moral 

Raico enfatiza que a filosofia da liberdade em Acton era, em essência, moral e religiosa. A liberdade não era apenas um bem entre outros, como a riqueza ou a felicidade. Não poderia ser sacrificada em nome do progresso ou da prosperidade. Para Acton, liberdade era sinônimo da realização de uma ordem moral. 

Isso o diferenciava de pensadores como Locke ou Bentham. Locke havia reduzido a liberdade à segurança da propriedade, uma concepção “estreita” e “materialista”, segundo Acton, que ignorava o sentido mais elevado da liberdade. Bentham e os utilitaristas, com seu cálculo de prazer e dor, não deixavam espaço para obrigações transcendentais. Acton, em contraste, argumentava que a liberdade se justifica porque oferece aos indivíduos a possibilidade de cumprir seus deveres morais diante de Deus. 

Nessa perspectiva, a liberdade não é a ausência de restrições, mas a condição em que os seres humanos podem assumir responsabilidade por suas ações. Ela é valiosa não como meio para a prosperidade, mas porque santifica a vida moral. Nesse ponto, a fé católica de Acton fornecia o fundamento indispensável: apenas uma ordem moral transcendental poderia sustentar a dignidade singular da liberdade. 

O Cristianismo e o progresso histórico da liberdade 

Acton também lia a história sob essa ótica religiosa. Raico mostra que ele atribuía ao Cristianismo, especialmente ao catolicismo, o papel decisivo no surgimento da liberdade. Na Antiguidade clássica, a religião frequentemente reforçava a tirania em vez de contê-la, e foi apenas com o advento do Cristianismo que surgiu uma ordem moral superior ao estado. 

É claro que a Igreja primitiva nem sempre esteve à altura desse princípio; muitos dos Pais da Igreja enfatizavam a obediência à autoridade civil. Mas, com o tempo, acreditava Acton, a ênfase do evangelho de que a lealdade a Deus precede a lealdade aos governantes gradualmente criou um novo respeito pela consciência. Assim, o Cristianismo impôs um limite ao poder do estado ao ensinar que a obrigação moral transcende a autoridade política. 

Essa dinâmica era evidente, segundo ele, na Inglaterra do século XVII, onde correntes dissidentes dentro do Cristianismo defendiam a liberdade religiosa e, com isso, impulsionavam a liberdade política. Elas compreendiam que o direito de adorar a Deus só poderia ser garantido ao se limitar, de forma geral, o poder do estado. Acton contrastava essa postura com a de Locke, cuja defesa da liberdade estava enraizada na propriedade, e com a de Hume, que levou ainda mais longe a perspectiva materialista de Locke. A verdadeira liberdade, insistia Acton, havia sido santificada pela religião, não assegurada apenas pela filosofia. 

América, França e a lei superior 

As reflexões de Acton sobre as grandes revoluções do século XVIII ilustram ainda mais esse ponto. Ele elogiava a Revolução Americana como o acontecimento moderno mais importante para a liberdade, precisamente porque se apoiava no compromisso com a doutrina da lei superior. Fosse ou não ancorada explicitamente na religião, a crença de que a autoridade política deve se submeter a normas transcendentais conferia à causa americana uma força moral. 

A Revolução Francesa, em contraste, fracassou porque rompeu a ligação da liberdade com suas raízes religiosas. Seus líderes apelavam à razão, à utilidade ou à vontade nacional, mas não à lei de Deus. Aos olhos de Acton, o resultado era inevitável: a liberdade, desligada da fé, transformou-se em tirania e em derramamento de sangue. 

Tensões e Contradições  

Raico tem o cuidado de notar que os escritos de Acton não foram sempre coerentes. No início da vida, ele admirava Burke como um conservador com tonalidades católicas; mais tarde, chegou a brincar que teria enforcado Burke ao lado de Robespierre. Seu pensamento evoluiu de um tradicionalismo burkeano cordial para um liberalismo radical, singular em sua combinação de convicção católica e desconfiança whig em relação ao poder. 

Além disso, o próprio Acton reconhecia o problema de que o liberalismo moderno se afastava cada vez mais da religião. Ele certa vez observou que a mentalidade liberal era marcada por uma “profanação extrema”, frequentemente deísta ou, na melhor das hipóteses, agnóstica. Ainda assim, nunca abandonou sua convicção de que, sem religião, a liberdade carecia de sua justificativa mais profunda. 

Conclusão: a relevância de Acton 

A síntese realizada por Acton entre a fé católica e a filosofia política liberal pode parecer paradoxal aos leitores modernos. Contudo, como mostra Raico, foi precisamente essa síntese que conferiu profundidade ao seu liberalismo. Enquanto outros liberais fundamentavam a liberdade na propriedade, na prosperidade ou na utilidade, Acton a enraizava na lei eterna de Deus. A religião, acreditava ele, santificava a liberdade, fazia com que os homens valorizassem as liberdades alheias como se fossem suas próprias, e as defendessem não apenas como direitos, mas como deveres de justiça e de caridade. 

Em uma época em que o liberalismo secular frequentemente parece à deriva, o exemplo de Acton é marcante. Ele nos recorda que a liberdade sem fé pode facilmente se tornar uma liberdade sem sentido. Para preservar a liberdade, é necessário vê-la não apenas como um instrumento para o desfrute humano, mas como uma vocação de responsabilidade moral diante de Deus. 

O retrato de Acton feito por Raico, portanto, permanece atual. Ele sugere que a relação entre religião e liberalismo não é acidental ou hostil, mas essencial e vital. Se a liberdade há de perdurar, adverte Acton, ela precisa ser santificada, enraizada em algo superior ao homem e em alguém superior ao estado.

Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.


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