C A R R E G A N D O . . .

Instituto Libertário Cristão

Randy England

Esta é a quinta parte da série Objeções ao Libertarianismo, que está dividida em um total de seis partes. Na parte anterior, abordamos o tema da desigualdade.

Para alguns, é óbvio que a caridade cristã exige um estado de bem-estar social coercivo. Eles consideram desprezível a ideia da caridade voluntária, enquanto a redistribuição coerciva é vista como preferível e mais virtuosa.  

A maneira cristã de ajudar os necessitados foi bem apresentada por Dorothy Day, em uma entrevista em 1971:   

“Se seu irmão está com fome, você o alimenta. Você não o recebe na porta e diz ‘Vai e seja tu satisfeito, espera algumas semanas e vai pegar um cheque da seguridade social’. Você o deixou esperando. Alimente-o… É muito mais fácil ver Cristo no seu irmão quando você está sentado e dividindo uma sopa com ele”.  

É claro, ela está fazendo referência à carta de Tiago, onde lemos:  

“Se um irmão ou irmã estiver necessitando de roupas e do alimento de cada dia, e um de vocês lhe disser: “Vá em paz, aqueça-se e alimente-se até satisfazer-se”, sem, porém, lhe dar nada, de que adianta isso?2 
 
 

O Estado moderno – com sua tributação involuntária e redistribuição de riqueza – nunca tornou tão fácil ignorar a necessidade como nos dias de hoje, mais do que em qualquer outro momento no passado. Não sentimos responsabilidade para com outros quando podemos tão facilmente dispensá-los, dizendo: “Vão ao governo, aqueçam-se e alimentem-se”. Não há virtude em ser taxado à força pelo governo. Não há amor algum pelo próximo nisso.  

O Pagador de Impostos como o Bom Samaritano 

Jesus ensinou a regra de ouro: Faça aos outros como você gostaria que eles fizessem a você. Ame seu próximo como a você mesmo. Mas um mestre da lei perguntou a Jesus: “Quem é o meu próximo?”. Jesus respondeu com a parábola do viajante na estrada de Jerusalém a Jericó:

Em resposta, disse Jesus: “Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto. Aconteceu estar descendo pela mesma estrada um sacerdote. Quando viu o homem, passou pelo outro lado. E assim também um levita; quando chegou ao lugar e o viu, passou pelo outro lado. Mas um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve piedade dele. 

Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, deu dois denários ao hospedeiro e disse-lhe: ‘Cuide dele. Quando voltar lhe pagarei todas as despesas que você tiver’. 

“Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? “”Aquele que teve misericórdia dele”, respondeu o perito na lei. Jesus lhe disse: “Vá e faça o mesmo”. [Lucas 10: 30-37] 

Veja como o samaritano respondeu à necessidade do seu próximo. Primeiramente, ele mesmo tratou e fez curativos nos ferimentos do homem. Ele o colocou no seu próprio cavalo, levou-o a uma hospedaria e cuidou dele lá. Esse é o coração da caridade cristã; ou seja, ver uma necessidade e agir imediatamente para satisfazê-la.  

E isso não foi tudo. No dia seguinte, o samaritano – quando teve que seguir viagem – deu ao dono da hospedaria dinheiro para cuidar do homem e fazer o possível para que ele ficasse curado. Ele, inclusive, se comprometeu a pagar por quaisquer despesas adicionais caso houvessem. 

Não ficamos sabendo se o samaritano tinha o hábito de verter tanta bondade, mas o infortúnio do viajante testou a virtude do samaritano. E a aprovação no teste fez de um homem bom um homem melhor. No que diz respeito ao viajante ferido, sua gratidão à bondade do samaritano é algo assumido como certo. O exemplo do samaritano deve ter comovido até mesmo o dono da hospedaria.  

Hoje, essa mesma parábola pode ser recontada com o pagador de impostos no papel do bom samaritano. Imagine esse pobre viajante saindo de uma loja de conveniência. Ele, também, é atacado por arruaceiros no estacionamento. Ele se recusa a dar seu dinheiro e acaba espancado, roubado e deixado sangrando em uma sarjeta. Na sequência, várias pessoas passam por ali e veem o homem agredido, mas seguem seus caminhos.  

Então outro homem, o bom pagador de impostos, para na loja. Ele sai dela com seu litro de Coca-Cola e vê o viajante espancado. Sua consciência o lembra de um slogan: “Se você vir algo, diga algo”.  

Sabendo que o governo lida com tais situações, ele pega seu smartphone e chama os paramédicos do governo. Ele sabe que eles irão dar ao viajante agredido um tratamento do SUS, e quem sabe depois providenciar um advogado que possa obter para ele um auxílio invalidez concedido pelo governo. O bom pagador de impostos faz sua obrigação e vai para casa, para a sua família.  

Poderíamos dizer que o desfecho do caso do Bom Samaritano foi o mesmo que o do bom Pagador de Impostos: ambas as vítimas receberam o cuidado que precisavam, entretanto quanto se perdeu? 

Começando com o Bom Pagador de Impostos: ele não é nenhum bom Samaritano. Sua ajuda imediata consiste em um telefonema. Sua contribuição como um pagador de impostos – paga de má vontade sob a ameaça de uma ação governamental – não foi virtuosa, mas uma mera autopreservação. Ele se sente pouco obrigado a ajudar o estranho. A caridade – tal como ele aprendeu – pertence ao governo, então é fácil e natural dar as costas e deixar a “caridade’ para o Estado. O governo destruiu a capacidade de bom Pagador de Impostos para amar seu próximo.  

Mesmo se ele sentisse o dever de agir de forma caridosa, a taxação do governo drenou o excedente com o qual ele poderia, de outra forma, prover ajuda. No final, ele não tem nenhuma conexão com o homem ferido. Depois de ser extorquido pelo homem do imposto, seus sentimentos voltam-se mais para o ressentimento do que para a compaixão.  

O viajante ferido, do mesmo modo, não conhece seu benfeitor. Se ele, em algum momento, pensar sobre isso, sua gratidão fica consideravelmente enfraquecida pelo fato de que os recursos que o ajudaram hoje foram tomados dos “doadores”, à força, ontem. O sistema de bem-estar social nega-lhe a oportunidade de valorizar a ajuda ou de retribuir de alguma forma. Ele pode até se sentir como tendo esse direito. 

E, por fim, lembre-se de que essa parábola moderna substitui o bom samaritano por ambos, pelo pagador de impostos e pelos agentes do governo e todos os seus mercenários: a polícia, os paramédicos e os médicos que estão fazendo seu trabalho, a maioria deles custeada pelo governo.  

E quanto ao o homem do imposto, o burocrata e o deputado? Nessa parábola, eles são o segundo conjunto de ladrões. Eles roubam primeiramente o pagador de impostos. Depois, antes de eles darem sua pilhagem ao homem ferido, eles pegam a sua parte. Dessa forma, o estado do bem-estar social multiplica tanto o número de vítimas quanto de ladrões. 

Se não o Estado, quem então? 

O Estado preserva e perpetua a pobreza ao se fazer indispensável ao pobre, subjugando-o, dessa forma, para sempre. A caridade pode ser uma obrigação social, mas é rapidamente diluída quando os indivíduos em necessidade são vistos como um problema social. Não é responsabilidade da sociedade. É nossa. Podemos agir em conjunto para satisfazer uma necessidade maior, mas se tal assistência vier a ter algum valor real – deve ser pessoal e voluntária.  

Os católicos libertários preferem uma caridade genuína que flua do amor ao invés da coerção. Tal ação caridosa coloca a regra de ouro como um todo em ação: Primeiramente, como um guia para o que temos que fazer por nosso próximo; e depois como uma advertência sobre o que não precisamos fazer.  

Essa lição não é para outros, mas para nós mesmos. Quando vemos uma necessidade, e então obrigamos nosso semelhante a ajudar através de uma ameaça de violência, tratamos esse semelhante como uma mera ferramenta para alcançar nossos fins. Nós desonramos tanto o nosso semelhante quanto o seu Criador. 

Em seu livro, Love & Responsability, Karol Wojtyła (mais tarde Papa João Paulo II) escreveu que estamos errados cada vez que vemos os outros como meios para nossos fins:  

“[A] pessoa… não pode ser tratada como um objeto de uso e como o meio para um fim.  

… tratar uma pessoa como meio para um fim… sempre será um obstáculo no caminho do amor”.

Na próxima postagem, iremos tratar daqueles que defendem que “os libertários são dissidentes do ensino da Igreja”.


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