Instituto Libertário Cristão
Tom Woods e Gary Chartier
O artigo a seguir transcreve um episódio do podcast The Tom Woods Show, de 1º de maio de 2014, com Gary Chartier.
Gary Chartier é professor de Direito e Ética Empresarial e sócio-diretor da Escola de Negócios Tom e Vi Zapara, na Universidade de La Sierra. Autor de vários livros, dentre eles, The Conscience of an Anarchist [A Consciência de um Anarquista].
WOODS: Quis que você viesse aqui e falasse não só sobre o seu livro, o que fizemos no passado, mas sobre a controvérsia que parece estar dando o que falar nos círculos libertários. É uma controvérsia, creio, que não é interessante para o público em geral, mas é muitíssimo interessante para nós, e é o tipo de controvérsia em que eu e você devemos estar em campos opostos. Logo, pensei que poderia ser interessante que as pessoas nos ouvissem, o que será mais uma conversa que uma entrevista formal. Há dois assuntos que gostaria de apresentar, e não sei se conseguiremos abordar os dois. São assuntos que, creio, são distintos, mas, às vezes, se confundem. Um deles é o debate sobre libertarianismo subjetivo (hard) e preciso (light) e, o segundo, é a ideia de libertarianismo de esquerda como algo distinto do corpo do pensamento e teoria libertários. Então, com qual deles você gostaria de começar?
CHARTIER: Parece que muito do debate atual está concentrado na grande questão do libertarianismo subjetivo (hard) versus o libertarianismo preciso (light), Tom, então, quem sabe possamos começar por aí?
WOODS: Sim, vamos começar por aí. Agora, deixe-me dizer qual é meu entendimento dessa discussão e, então, você esclarece qualquer coisa que tenha dito errado. Vejo a questão da seguinte maneira: A pessoa que se descreve como libertário “preciso” seria alguém que diz:
“Acredito no princípio da não agressão, oponho-me a principiar a força física e é isso. Tenho outros pontos de vista na minha vida, mas esses não se apoiam no meu libertarianismo. Sou contra dar início à força física seja por alguém de quem gosto ou não gosto, seja por uma causa que aprovo ou por uma que desaprovo”.
Um libertário “subjetivo”, em geral, diria:
“Concordo com isso. Concordo com o princípio da não agressão, mas para o libertarianismo ser totalmente coerente, para ser realmente o que diz ser, uma filosofia da liberdade, não pode limitar-se a isso. Para ser coerente, precisa ser complementado com compromissos de outra ordem de ideias, que também envolvem a liberdade humana, mesmo que não envolvam diretamente o uso da coerção”.
Ora, essa é uma avaliação justa do que está acontecendo?
CHARTIER: Bem, creio que isso está basicamente correto, Tom. Se pensarmos no modo como, digamos, Charles Johnson – e você conhece o texto canônico sobre esse tópico, “Libertarianismo, no melhor e no pior”, em que tenta apresentar essa questão. Charles, parece-me, queria dizer: se partirmos da ideia de não-agressão de princípios, então podemos ver que outras ideias e outras responsabilidades vêm a se ligar à ideia de várias maneiras. Podemos falar, com maiores detalhes, sobre opiniões, mas, é claro, algumas ideias estão diretamente ligadas a isso. Umas derivam de responsabilidades subjacentes que nos levam a abraçar a não-agressão por princípio, e, outras, podem ter laços mais pragmáticos ou estratégicos com a ideia de não agressão, mas, de qualquer maneira, para Charles, creio que ele representa para muitas pessoas um modo padrão de expressar a ideia, a noção de que de com a não-agressão por princípio podemos construir elos com outras ideias não conflitantes, de modo que apoie e expresse a não-agressão.
WOODS: Ora, você acha que um representante típico dessa postura estaria inclinado a pensar que alguém que não possua esse ponto de vista não seria plenamente libertário, não seria realmente um libertário, ou um libertário “subjetivo” diria:
“Não, essa pessoa é libertária, no entanto, se compreender plenamente as implicações do que acredita, então, a pessoa mais provavelmente, ficaria mais parecida com um libertário subjetivo, e, talvez, estivesse mais convencida de que existe necessidade de mais do que somente o princípio de não agressão”.
Em outras palavras: Não posso ser classificado como libertário aos olhos da maioria dos libertários subjetivos se não for um deles? Creio que não me vejo como um deles.
CHARTIER: Sim, não conheço ninguém que abrace a postura hard que esteja interessada em ler outra pessoa fora do movimento. Então não, verdadeiramente, creio que a sua segunda opção é muito mais próxima do que penso que todos falam em termos de desejos.
WOODS: OK, bem, se esse é o caso, então, tudo bem. Apesar de Sheldon Richman ter dito, há pouco tempo, e você não é obrigado a defender as afirmações de outras pessoas – amo o Sheldon, já veio ao programa –, mas ele disse que embora seja concebível que possamos imaginar que um, digamos, racista possa ser libertário, acha que, na prática, é muito difícil imaginar que isso possa acontecer. No entanto, se olharmos para a maioria das pessoas-chave, as que são centrais na formulação do pensamento libertário – Ludwig von Mises, Ayn Rand, e poderia sugerir outros – se olharmos os pontos de vista deles a respeito de orientação sexual ou raça, isso poderia ser visto como atrasos de épocas passadas e, ainda assim, são claramente libertários em suas perspectivas. Então, não refutei empiricamente a afirmação de Sheldon?
CHARTIER: Bem, com certeza, concordo contigo, Tom, de que essas pessoas se qualificam de modo paradigmático como libertários, não posso falar com certeza por Sheldon, mas estou bem confiante de que esse é um ponto sobre o qual concordaria de maneira inequívoca. Parece-me que, definitivamente, podemos dar exemplos e, talvez, exemplos muito bons de pessoas que não fazem as correlações que determinados proponentes da linha “subjetiva” creem que devam fazer. De qualquer maneira, tudo o que afirmo é que pensar verdadeiramente por meio de interrelações entre as ideias deve levar a pessoa numa determinada direção. Tenho interesse algum em defender que todos têm de pensar nas questões da mesma maneira, muito menos afirmar que alquém que não pensou nas questões da maneira que acho ser certa, esse alguém deva ser proscrito do movimento.
WOODS: Muito bem, vamos aos detalhes, então. Quais seriam algumas dessas ideias que os que se autodenominam libertários “subjetivo” devem ter para suplementar o princípio de não agressão para produzir, talvez, uma filosofia geral mais robusta?
CHARTIER: Ok, certo, aí vai um exemplo. Um tipo de ortodoxia hard que Charles distingue no ensaio fundamental é a ortodoxia hard estratégica. Aí, a ideia é que se vamos, efetivamente, buscar promover a liberdade, teremos interesses culturais que, apenas por promovermos esses interesses, atingirão o objetivo de tornar a liberdade política mais alcançável. Um exemplo que me recordo que ele dá é ser perveitamente concebível, de modo abstrato, que uma sociedade libertária possa abarcar uma série de pessoas que sejam muito deferentes à autoridade e que não querem pensar por si mesmas, e enquanto esse padrão de comportamento for mantido de maneira não violenta, todos concordaremos que é perfeitamente compatível com o princípio da não-agressão. No entanto, creio que o argumento poderia ser: se temos de preservar uma sociedade livre ao longo do tempo, um hábito generalizado de deferência à autoridade e pessoas que não estão dispostas a pensar criticamente a respeito das afirmativas feitas por figuras de autoridade, isso pode, com o tempo, dificultar essa sociedade a manter a liberdade como um valor político baseado em princípios e pode facilitar o retorno de instituições autoritárias e de padrões de comportamento. Então, seria o caso de se tornar obrigatória a promoção do pensamento crítico e do ceticismo para alguns tipos de autoridade social? Não, não é, mas o argumento seria existir um verdadeiro valor estratégico na promoção desses valores porque uma sociedade em que esses valores são abraçados, esta será uma sociedade mais robusta.
WOODS: Bem, concordo totalmente com isso. Quero dizer, passei todo o meu tempo praticamente tentando tirar as pessoas do pensamento convencional em que recaíram, pessoas que tem uma série de opiniões dadas pela Fox News e pela MSNBC. Você está certo: se esse é o padrão de pensamento em que estão imersos, então, será muito difícil fazer qualquer progresso. Então, fico pensando em que medida isso é uma questão semântica, pois concordo com tudo o que você disse. Não vincularia isso ao libertarianismo e diria, bem, sou mais libertário porque tenho esses outros interesses. Digo, não sei, talvez estejamos lidando apenas com semântica. Mas, por outro lado, talvez não seja, porque creio que existem uns libertários subjetivos que diriam que temos de lutar contra, digamos, o patriarcado, ou que precisamos lutar contra as hierarquias na sociedade e é verdade que elas não são diretamente obrigadas pela violência, mas são obrigadas, digamos, pela força do hábito.
CHARTIER: Certo. Pode haver pessoas que digam isso e, por outro lado, é importante ressaltar que existem outros caras, e assim me parece, que adotariam o que considero uma posição libertária subjetiva que diriam que determinados tipos de hierarquia social são necessárias justamente para manter o fundamento moral da sociedade que fosse favorável à liberdade. Então, na verdade, quero ressaltar, como você disse antes, que ser um libertário subjetivo, de modo algum, implica ter determinados interesses. Digo, isso requer mais discussão. Podemos imaginar pessoas que são liberais sociais, que pensam que seu liberalismo social se relaciona com o libertarianismo, e sujeitos que também são conservadores e que pensam a mesma coisa. Além disso, como observa Charles, os objetivistas podem ter determinados tipos de preferências sociais bem fortes que veem como particularmente ligadas ao libertarianismo. Então, creio que a questão é realmente crucial que devemos ressaltar é que estamos falando aqui de um quadro estrutural do relacionamento entre ideias e tipos de prática, não de um determinado conjunto de interesses substantivo.
WOODS: OK, bem, esse ponto é algo que, creio, não havia percebido. Deixe-me propor uma ideia. Digamos que tenhamos, como você diz, digamos que tenhamos alguns liberais sociais e alguns conservadores sociais. Posso imaginar, e estou certo que você também pode, em motivos que cada um deles possa encontrar para que o nosso sistema social seja preferível – detesto usar a palavra sistema, porque não é realmente um sistema; é apenas “deixemos as pessoas em paz” – mas, penso existir bons motivos para ambos serem a favor desse desenlace. E, creio, aliás, que é por isso que vemos o homem de negócios de trajes conservadores e o hippie maconheiro juntos no comício do Ron Paul, pois ambos podem ver motivos para isso. Então, posso imaginar um liberal social dizendo: “Quero uma sociedade em que seja livre para expressar-em e em que não existam constrangimentos legais para isso”. Posso imaginar o conservador social dizendo: “Gostaria de uma sociedade em que possa viver com uma vizinhança que pense da mesma maneira e que a economia seja produtiva o bastante para que possa ter minha mulher em casa educando as crianças com o ensino domiciliar”. Ora, não me oponho se as pessoas querem viver desse ou daquele jeito. A decisão é delas. E tenho medo de que, às vezes, o modo como o libertarianismo subjetivo é apresentado para algumas pessoas, é apresentado de modo a privilegiar a primeira em oposição a última dessas possibilidades, como se devesse ser antipático ao conservador social porque, afinal, ele não promove a plena autoexpressão. Sua mulher é escrava do lar, mesmo se voluntariamente aceitar isso; esse seria o modo de pensar. E, assim, essas pessoas são depreciadas, e eu não quero depreciar essas pessoas, pois vou te dizer, Gary, e tenho e-mails para provar isso: converti muitas dessas pessoas e não quero que elas venham a mim e digam: “Bem, adoraria abraçar sua filosofia, mas todos os adeptos dela parecem detestar o modo como vivemos”.
CHARTIER: Não posso falar por todos. Posso te dizer que como um crítico bem entusiasta da educação institucional, sou muito a favor dos educadores domiciliares e da desescolarização e, certamente, não quero transmitir uma mensagem que, na minha concepção de libertarianismo deveria, de algum modo, aliená-los. Mas, compreendo que uma sociedade livre – e penso que todos concordamos a esse respeito – cria espaço para uma variedade bem ampla, bem diversa, de formas de vida, de formas de expressão e, obviamente, algumas serão mais agradáveis que outras. E esse será o caso de haver um desacordo permanente a esse respeito, e, óbvio, um dos motivos de eu apoiar a sociedade livre é para que o Estado, o sistema legal, a esfera em que a força é empregada deixem de ser o local em que essas alternativas acontecem e, em vez disso, elas aconteçam por vários tipos de persuasão pacífica. Portanto, não estou sugerindo, absolutamente, que a sociedade libertária seja monocromática nas formas sociais que promove.
WOODS: Agora, o que dizer dessa preocupação com a autoridade? Como isso se estenderia ao modo como um libertário subjetivo pensa a respeito da religião? Se estivéssemos falando dos libertários de esquerda, isso seria uma coisa. São um grupo identificável com um conjunto de crenças. Os libertários subjetivos podem ser assim por inúmeros motivos, portanto, vejo que é uma espécie de designação um tanto movediça, mas posso imaginar alguém dizendo que ter uma estrutura mental em que a pessoa seja deferente à autoridade, essa estrutura mental será hostil à propagação das ideias – o que realmente contraria aquilo que muita autoridade tradicional dirá. Assim, não haveria a possibilidade de que alguns libertários subjetivos digam que para abrir caminho para a sociedade libertária, também temos de minar as visões religiosas das pessoas, pois isso é o exemplo supremo de pessoas submetendo-se irracionalmente à autoridade? E, se é essa a mensagem que transmitirão, então, mais uma vez, excluímos, sei lá, metade da população?
CHARTIER: Sim, tenho certeza que existem pessoas que pensam isso, ok? Não duvido que existam pessoas que acreditem haver uma ligação íntima entre ceticismo a respeito da crença religiosa e ceticismo a respeito da autoridade política e, obviamente, como você sabe, realmente existe um histórico no movimento anarquista de pensar e falar dessa maneira. Pensemos no ensaio de Bakunin “Deus e o Estado”, por exemplo, na última metade do século XIX. Por certo existe um histórico de pensar e falar dessa maneira. Não é o modo que estou inclinado a pensar e a falar, como você pode ver. Não é uma abordagem que eu apoie. Estou muito à vontade em afirmar crenças e comunidades religosas, mas, sim, acho que existem pessoas que fariam esse juízo, provavelmente, ao menos, em dias melhores, com base empírica, de que existe uma ligação entre a adoção de crenças e comunidades religiosas, por um lado, e o apoio a certos tipos de autoridade política desonesta, por outro. Diria que não creio ser esse o caso e tento mostrar o porquê.
WOODS: Sabe, pode ter algo com o lugar de onde vim. Acho que gostamos de nos retratar, às vezes, como esses espíritos desencarnados, que não são afetados pelas circunstâncias de nossas vidas, mas eu seria o último a me descrever dessa maneira. Cresci em numa, não sei, numa família um tanto de direita. Meu pai era a favor de Regan, mas não era um ideólogo do livre-mercado de modo algum, e apoiávamos toda a parafernália militar. Assim, tenho muito a repudiar e muito a fazer penitência, é verdade. Mas, ainda assim, tendo crescido dessa maneira, vim a conhecer muitas pessoas que tinham essas crenças e tinham esses engajamentos e, daí, quando eu mudei a respeito de muitas coisas, mudei porque percebi que as coisas que acreditava por toda a vida não eram compatíveis com outras coisas em que vim a acreditar, e que se realmente prezava determinadas ocisas, então, não podia dar apoio a guerras. Se eu prezava minha vida familiar, não poderia apoiar arrancar os maridos de suas mulheres, cada vez, por um ano. Se acreditava em verdades morais absolutas, então, uma delas é não bombardear civis. Em outras palavras, vim a perceber que minhas ideias centrais eram, basicamente, ok – a base era ok, mas a superestrutura estava errada, se posso tomar de empréstimo esses termos. Assim, pude falar para pessoas que tinham o mesmo tipo de base que tive e mostrar-lhes que a superestrutura deles estava toda errada. E pude atingir várias pessoas dessa maneira. Portanto, fico preocupado, quando ouço pessoas em alguns círculos libertários, do modo como falam, falam como se essas pessoas nunca pudessem ser alcançadas. Agora, perdoem-me: tenho certeza de que houve tempo em que disse que existem pessoas na esquerda que nunca poderão ser alcançadas. É provável que ambos sejamos culpados de rechaçar implicitamente grupos inteiros, mas sou particularmente sensível a esse porque fiz parte dele. Não era frequentador de Igreja quando jovem, mas ainda pertencia, em geral, a esse bando. Ainda pertencia a esse grupo geral e sou muito sensível a linguagem e as abordagem que pressupõem que essas pessoas não são emancipadas o bastante para pertencer a uma sociedade libertária. Ao passo que, o que tenho como teu ponto de vista do que é uma sociedade libertária, esta não seria monocromática. Se acreditarmos em liberdade de pensamento, então temos de esperar que pessoas diferentes tenham pensamentos diferentes.
CHARTIER: Acho que isso está correto. Creio que podemos prever com total certeza uma variedade de ideias e padrões de vida enorme em qualquer sociedade livre que possamos conceber realisticamente.
WOODS: Agora, Gary, quais são as outras coisas além do incentivo geral ao livre exame – quais são os outros argumentos mais comuns dos libertários subjetivos você nos apresentaria, se não como absolutamente indispensáveis, mas, certamente, como muito úteis para criar uma cultura da liberdade?
CHARTIER: Existem, é claro, vários tipos de relacionamentos em que ideias, compromissos e práticas que estamos pensando aqui podem ter como ideia central o princípio da não agressão. Podemos pensar, então, por exemplo, o que Charles chama de base ortodoxa hard. Aí, a ideia é que para alguém que adota uma determinada lógica como sendo libertarianismo, depreender-se-á que a própria lógica deva ter implicações de determinado tipo ou de outro e que a pessoa, em virtude de aceitar a lógica, está obrigada também a abraçar.
WOODS: Ok.
CHARTIER: Então imaginemos, ilustrativamente, como exemplo exato do tipo de situação geral que antevejo. A Ética da Liberdade de Murray Rothbard dedica a primeira parte ao desenvolvimento de uma teoria geral do direito natural da Ética. Rothbard, então, segue dizendo: “Não estou interessado em esclarecer as implicações dessa teoria para a moralidade pessoal, refiro-me simplesmente à moralidade política”. No entanto, o que ele entende por moralidade política é a consequência de uma determinada narrativa de lei natural que defendeu na primeira parte de seu livro. Assim, poderíamos muito bem pensar que alguém na posição de Rothbard, tomando por base o arcabouço moral e político, chegaria a posições políticas, mas também reconheceria que desse mesmo arcabouço derivariam outros tipos determinados de conclusões normativas, que parecem estar total e justamente relacionadas às conclusões políticas. Assim, sem referir a esse ponto de vista, certamente, para Rothbard, parece como se voltássemos a Locke, uma ideia realmente crucial está na base da crença numa sociedade livre e da crença nas pessoas como donas de si mesmos: a ideia da igualdade de autoridade, a ideia de que ninguém exerce direito natural algum com relação a outrem.
WOODS: Ok.
CHARTIER: E a noção, portanto, de que não existe hierarquia imutável. O consentimento é necessário se você quiser exercer autoridade sobre mim no contexto político. Então, alguém poderia pensar, parece – e eu estaria inclinado a pensar desse modo – que a lógica subjacente da crença na igualdade da autoridade irá relacionar essa crença na igualdade de autoridade com a crença na igualdade moral de maneira mais geral. Ora, com isso, é claro, não estou a dizer que o ponto de vista moral de todo mundo ou as práticas morais são igualmente boas, apenas que todos são moralmente iguais da maneira como pressupõe a Regra de Ouro: de que tratemos os outros no mesmo plano moral que trato a mim mesmo. Ora, alguém poderia muito bem articular e defender um entendimento de igualdade de autoridade que não envolva esse ponto de vista, mas parece que, de qualquer maneira, existe aí um ajuste natural. Se você tem esse ponto de vista, então, creio que há implicações na maneira como você vê a interação humana, de maneira mais ampla. Certamente, não justificará o uso da força para impor algum tipo de padrão de tratamento igual, mas poderia ser o caso, por exemplo, que isso viesse a ser irrazoável para mim, digamos, subordinar ou excluir alguém com base na raça ou etnia, se eu mesmo não estivesse disposto a ser tratado dessa maneira. Estou agindo de modo não razoável. Não estou respeitando a equivalência moral básica se, então, tratar outra pessoa desse modo. Portanto, creio que aceitar a ideia de igualdade de autoridade não requer que eu aceite a igualdade moral subjacente, mas creio que há um ajuste natural aqui, e quero afirmar que esses tipos básicos de equidade que encontram expressão, por exemplo, na Regra de Ouro, são desdobramentos bem naturais daquelas ideias subjacentes de igualdade moral das pessoas.
WOODS: Sabe, Garry, já te prendi tempo demais, desculpe. Espero que possa te fazer ainda umas perguntas, pois essas são coisas muito boas.
CHARTIER: Por certo.
WOODS: Acho que uma preocupação que eu teria, seria – quero dizer, não me oponho ao que você acabou de dizer, mas suponho que tenha um compromisso igualitário geral além da fronteira e esse compromisso igualitário significa o que eu gostaria de ver uma sociedade em que as pessoas são o mais igual possível nas condições materiais. Mas, por outro lado, não sou a favor da força física. Ora, digamos que cheguemos a uma sociedade onde o iniciar a força física seja minimizado e, ainda assim, achamos um resíduo de desigualdade que me deixa desconfortável. Minha preocupação seria: Um libertário subjetivo estaria mais compromissado com o libertarianismo ou com o igualitarismo quando a coisa ficar feia? Minha preocupação é essa, e creio que é daí que vem o liberalismo moderno. Acho que vem da acusação de que os liberais clássicos eram muito mesquinhos. Pensavam que tudo o que precisávamos fazer era promover a igualdade e a justiça para o trabalhador era abolir o privilégio estatal, mas encolhemos o Estado e ainda vimos a desigualdade na sociedade, isso serve para mostrar como estavam cegos. Portanto, se queremos a plena liberdade para a pessoa expressar-se e desenvolver-se, precisamos de uma ação positiva do Estado. Receio que haja o vazamento de uma escola de pensamento noutra, e teremos a transformação do liberalismo clássico em liberalismo moderno de novo.
CHARTIER: Creio ser uma preocupação muito razoável e vívida, Tom. Acho, certamente, que os valores que as pessoas têm importam em como pensam a respeito das coisas. Só posso relatar que os libertários que conheço, para os quais essa ideia básica de igualdade moral da pessoa importa, não são pessoas que estão, de um modo fanático, engajadas, no nível econômico, com uma interpretação de igualitarismo, e acho que, em qualquer ocasião, aqueles de nós que adotam esse ponto de vista não são, de todo, insensíveis aos riscos que podem envolver o falar sobre a importância da igualdade, sem ressaltar que assim o fazemos no contexto de nosso apoio a uma sociedade mais livre. Assim, não quero, de modo algum, repudiar tua preocupação; diria somente que não estou certo de que, quando penso a respeito das pessoas que com seriedade buscam esse tipo de agenda, de que são insensíveis a essas preocupações que você enunciou.
WOODS: Muito bem, uma última coisa antes que você vá, Garry. Voltando ao libertarianismo de Charles Johnson nos motivos: Sei que existem pessoas, por exemplo que são liberais aristotélicos, que deram uma guinada liberal em Aristóteles. Aliás, estou muito interessado nisso. No meu trabalho para o programa de educação familiar de Ron Paul, no RonPaulHomeschool.com, no meu curso de civilização Ocidental, quando chego a Aristóteles, na verdade passo um tempo falando de Fred Miller, Roderick Long, Doug Rasmussen e Doug Den Uyl. Falo sobre essas coisas porque acho realmente um desdobramento estimulante, mas o que quero saber é, se alguém chegar a isso a partir dessa perspectiva, alguém se tornar um libertário pelas lentes de Aristóteles, desde que cheguem à não-agressão como princípio geral, então, por que importa de onde veio? Quais são as consequências de chegar a isso de uma visão de mundo aristotélica que seria diferente – em outras palavras, se a concluão é a não-agressão, então, quem se importa se descobri isso aleatoriamente ou se descobri por Aristóteles e outra pessoa chegou a isso de outra maneira? Esse é um ponto para interessante de debater tomando um café, mas por ser tão interessante é que teria de denominar-me libertário subjetivo, um tipo diferente de libertário, baseado no fato de que descobri o libertarianismo a partir de uma determinada origem filosófica?
CHARTIER: Bem, não tenho muita certeza se importa que eu me rotule, mas suponho que a questão seria para alguém que realmente abraçou uma determinada estrutura teórica, digamos, o arcabouço aristotélico, que certamente soa para mim como algo atraente, ou qualquer outro, se a pessoa, então, acha que esse arcabouço que a permitiu abraçar as ideias libertárias também tem outras implicações. Parece-me que não será apenas uma espécie de coincidência interessante que ela abrace as ideias que emanam dessa base subjacente. Ao contrário, o abraçar dessas ideias estará bem relacionado ao seu libertarianismo. Não é uma relação aleatória arbitrária, portanto, deve haver alguma razão para a pessoa ver essas coisas como parte de uma constelação maior de visões da qual seu libertarianismo é uma parte, em vez de de vê-las como algo que deve ser mantido à distância. Acho que é tudo o que tenho a dizer.
WOODS: Gary, como posso orientar as pessoas a encontrar mais coisas sobre você e sua obra online? Sei que você tem um blog.
CHARTIER: As pessoas podem encontrar algumas coisas a meu respeito no meu website, que é GaryChartier.net. Podem também encontrar informaçãos sobre a conversa que tivemos agora em outros lugares como C4SS.org, no website de Charles Johnson, o radgeek.com, e também no all-left.net, se alguém estiver particularmente interessado na perspectiva libertária de esquerda. Tenho certeza de que existem outros lugares.
WOODS: Bem, sabe, Gary, sinto que só passamos pela superfície de qualquer coisa relacionada com o libertarianismo de esquerda per se. Não chegamos a abordá-lo como tópico geral da conversa. Então, façamos isso num outro momento, mas nesse meio tempo, entre agora e essa ocasião, venha ao programa para falar do seu livro A Anarquia e a Lei. Isso parece ser interessante.
CHARTIER: Adoraria.
WOODS: Ok, mais uma vez obrigado, Gary, agradeço tua presença aqui.
CHARTIER: Tenha um bom dia, Tom.
*Este artigo é uma transcrição do episódio de The Tom Woods Show.
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