Instituto Libertário Cristão
Randy England
Sim, ouvimos muito isso. Não só de outros libertários, mas também de outros católicos. A resposta padrão dos libertários, muitas vezes, é exatamente a que você já deve esperar:
Você está brincando? A Igreja Católica não tem uma história horrenda como governo opressivo? O Papa é um ditador! A cidade do Vaticano é uma das últimas monarquias verdadeiras! É uma religião que também é um governo…que tem seu próprio país…sua própria bandeira. Pregam o reino de Cristo por toda a Terra! O Papa condena as liberdades sociais, os direitos das mulheres, a liberdade sexual [insira aqui outras inúmeras proibições], ao passo que também defende a “unidade mundial”, “uma só fé”, bancos centrais, doutrinas sociais e, e…as Cruzadas! A Inquisição! A Nova Ordem Mundial! Qual é?
Eis o que ouvimos. Por outro lado, também estou muito familiarizado com as respostas de muitos católicos, em primeiro lugar, porque eu mesmo já adotei muitos desses argumentos:
Você está brincando? Os libertários não apoiam o aborto, o casamento gay e o uso recreativo de drogas? Não são ultra-capitalistas gananciosos que não se importam com os pobres? Alguns deles são até mesmo…anarquistas! Não podemos ter o hedonismo total, precisamos de lei e de ordem, como na Igreja. Precisamos do Estado para assegurar que a moral e os valores sejam protegidos e cumpridos. Devemos respeitar a autoridade temporal, e temos a obrigação de pagar impostos, sabe? “Dai a César…” Além disso, a Igreja prega o distributismo, que é incompatível com o capitalismo e o livre mercado.
Não se preocupe, ao longo do tempo, espero, por fim, escrever extensivamente sobre essas e outras preocupações de ambos os lados, e, possivelmente, também incluir artigos de colegas e outros colaboradores. Essa, todavia, é apenas minha introdução atrasada (mas, talvez, oportuna). Embora não tenha tido tempo de ser, até então, um participante ativo do website Liberty.me, fico orgulhoso de ter sido membro fundador.
Ora, então não só afirmamos que catolicismo e libertarianismo são totalmente – e amplamente – compatíveis, mas que o próprio catolicismo é, em essência, libertário. No entanto, compreendo totalmente o conflito notado por ambos os lados. Por que notam um conflito? Os libertários têm plena consciência de que os políticos, os especialistas, os jornalistas e até mesmo os historiadores estão muito ávidos para ignorar, subestimar, deturpar e culpar o livre mercado em qualquer oportunidade. A propósito, peça ao americano médio que defina “capitalismo” e você lhes ouvirá descrever quase o exato oposto. Da mesma maneira, os católicos argumentaram que esses antagonistas quase sempre mútuos fazem a mesmíssima coisa com o catolicismo. Certa vez, disse o arcebispo Fulton J. Sheen:
Não há cem pessoas nos Estados Unidos que detestem a Igreja Católica. Há milhões de pessoas que detestam o que, erroneamente, creem ser a Igreja Católica – o que é, claro, coisa bem diferente.
Diria que a mesma ideia é aplicável ao verdadeiro libertarianismo. Além disso, também sugeri que se você quiser buscar a verdade, olhe simplesmente para o que é difamado e atacado em grande parte da cultura popular convencional. Na política, seria o livre mercado. Na religião, seria o catolicismo [ver: The New Anti-Catholicism: The Last Acceptable Prejudice (O novo anticatolicismo: o último preconceito aceitável), escrito por um episcopaliano].
Espero que possamos demonstrar efetivamente para nossos companheiros católicos não só que todo fiel católico pode e deveria ser um libertário, mas ainda que para ser obediente aos ensinamentos da Igreja, nós praticamente temos de ser. (Ele realmente empregou as palavras ‘libertário’ e ‘obediente’ na mesma frase?). Na verdade, se você é um fiel católico praticante descobrirá que já é bastante libertário, você só tem de ter consciência disso. Também esperamos esclarecer muitos dos mal-entendidos a respeito da Igreja de muitos de nossos irmãos e irmãs na liberdade, e que se você ainda não consegue ver nossa teologia sob nova luz, poderá, ao menos, tolerar a noção, caso não nos abrace totalmente, os papistas excêntricos. Permitam-me começar por esclarecer o que não é um libertário católico. Não somos católicos libertários.
Sim, a diferença parece sutil, mas sinto que é importante. Os católicos nunca devem modificar – e, desse modo, tentar dividir ou adaptar – nosso catolicismo, que é Uno, Santo, Católico (que literalmente significa universal e abrangente) e Apostólico. Embora católicos bem-intencionados usem esses termos com frequência, na verdade não existem católicos conservadores versus católicos progressistas ou mesmo católicos tradicionais, de modo que, certamente, não podem existir católicos libertários.[Marc Barnes fez um excelente trabalho ao levantar esse ponto no artigo Catholic. Nuff Said.(Católico, Basta!)]. Tecnicamente, até mesmo o termo familiar “católico romano” não é um rótulo oficial, mas, ao contrário, um termo não oficial relativamente recente, usado, em grande parte, para distinguir católicos do rito romano mais comum no Ocidente dos outros ritos litúrgicos orientais igualmente válidos.[Por exemplo, é o Catecismo da Igreja Católica e não o Catecismo da Igreja Católica Romana]. Modificar nosso catolicismo, de certa maneira, só presta um desserviço para a Igreja e para a fé. Na Igreja só existem católicos e hereges. Devemos, em vez disso, usar nosso catolicismo como algo que altera tudo mais!
Entrementes, os libertários são um grupo incrivelmente diverso em termos de filosofia, que concordam apenas na doutrina do livre arbítrio. Além disso, o libertarianismo está aberto a alterações, como uma busca simples nas páginas do Facebook que incluem o termo “libertário” rapidamente demonstrará [Libertários Pró-Vida, Libertários LGBT, Libertários Cristãos, Libertários Punk Rock, etc.]. É uma conclusão bastante lógica que libertários católicos sejam, de fato, uma coisa. Mais do que ser apenas possível, no entanto, a análise cuidadosa e o emprego intransigente de nossa fé católica aliadas a um olhar severo às realidades do Estado nos leva a tirar conclusões políticas do que atualmente ocorre que são mais bem classificadas como “libertárias”.
Antes de prosseguir, vale a pena notar a qualquer dos católicos não libertários que possam ter passado por aqui que a palavra “anarquismo” não quer dizer “sem regras”, portanto, “caos” é um erro de concepção comum. Ao contrário, “sem ter quem dite regras”, equipara-o ao verdadeiro capitalismo de livre-mercado e à Economia Austríaca, que promovem as regras voluntárias (lembremos do direito contratual), as trocas mutuamente benéficas e uma grande porção de caridade. No entanto, devido aos mal-entendidos de praxe, o anarquismo filosófico é, agora, na maioria das vezes, renomeado de “voluntarismo”.
Como observa Jeffrey Tucker, na verdade, existe uma história muito rica de anarquismo católico, que sempre está no íntimo da Igreja Católica. Historicamente, os católicos não eram muito bons súditos dos governos terrenos, por favorecer, em vez, a cidadania dos Céus. Milhares de santos perseguidos e martirizados são honrados pela Igreja por desafiar Impérios coercitivos e leis injustas ao longo da história. [Retratado, aqui, vemos o Frei Francisco Vera sendo executado por um pelotão de fuzilamento em 1927 – há apenas 93 anos – por celebrar publicamente uma missa contra as leis mexicanas].
Para não citar o próprio Jesus, cujo nascimento, ministério e morte foram, todos, desafios criminais ao Estado. Ele foi até mesmo acusado de subverter o Estado e de se opor à tributação, o que o levou à pena capital (Lucas 23,2). A verdadeira história católica nada é senão Igreja versus Estado, e a Igreja perdura, mais que quaisquer dos governos opressivos, desde 33 A.D.! Doutores da Igreja, como Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho praticamente escreveram o Princípio da Não Agressão, ao ensinar que vícios não devem se tornar crimes, “para que certos bens não sejam perdidos, ou ainda, possam incorrer em males maiores”, argumentando até contra o caso moral de criminalização da prostituição. Mais recentemente, a serva de Deus, Dorothy Day – cuja canonização como santa foi defendida por sua eminência, Timothy Cardeal Dolan – uma anarco-distributista que se opunha à tributação, ao voto e à “santa madre” estatal, escreveu:
O anarquismo está fundado no amor, não no ódio. Autogoverno em vez de um governo imposto […]. O verdadeiro anarquista nada pede para si, ele é autodisciplinado, abnegado, aceitando a cruz sem exigir compaixão, sem reclamar. O verdadeiro anarquista ama o próximo, segundo a nova lei, está pronto a morrer em vez de compelir o próximo a seguir uma via totalitária, não importando quanto possa estar convencido de que a sua via é a única via […]. O anarquismo é personalista antes de ser comunitário: começa com uma vida disciplinada, ao tentar ser o que queremos que o próximo seja.
Muitos dos nomes eminentes do movimento da liberdade hoje são também católicos devotados, muitos deles até católicos “das antigas”, preferindo a missa tradicional em latim: o próprio Jeffrey Tucker, Thomas Woods, o juiz Andrew napolitano, Lew Rockwell, Gerard Casey, Thomas DiLorenzo, Padre Robert Sirico e o Acton Institute, para citar uns tantos. Frédéric Bastiat e Alexis de Tocqueville também foram católicos.
Errata: originalmente esqueci de mencionar o grande apologeta católico G. K. Chesterton, a quem David Friedman dedica o capítulo final de seu livro The Machinery of Freedom: Guide to a Radical Capitalism [O Mecanismo da Liberdade: Guia para um Capitalismo Radical] ao afirmar:
Quando descobri Chesterton, já era libertário. Apreciei seus ensaios políticos, ao mesmo tempo em que ficava confuso e intrigado ao vê-lo defender com igual inteligência e persuasão a ortodoxia cristã e, até mesmo, a católica – ideias que pareciam indefensáveis para mim, assim como os pontos de vista políticos dele (e os meus) pareciam a todas as pessoas. Foi ainda mais intrigante saber que era cristão, não apesar de ser libertário, mas por causa disso […]. Creio que vale a pena registrar como prova para os leitores modernos, em especial para os libertários, que devem levar a sério a afirmação de Chesterton sobre a ligação entre seus pontos de vista políticos e religiosos.
Dorothy Day também escreveu sobre Chesterton na autobiografia, The Long Lonliness [A Grande Solidão]:
G. K. Chesterton, Hilarie Belloc […] e o padre Vincent McNabb foram grandes distributistas que se opuseram ao Estado servil, ao “Estado providência”, como o Papa Pio XII recentemente o denominou […]. Teriam temido a palavra “anarquista”, e a compreendido somente na acepção popular. Eu mesma prefiro a palavra “libertário” como menos capaz de ofender.
Interessante notar que a única nação soberana que funciona hoje como uma sociedade verdadeiramente voluntária, sem tributos impostos, sem ofensivas militares, sem coação e de comando ex officio é a cidade do Vaticano. Alguns veem a cidade do Vaticano como uma monarquia, entretanto, é uma autoridade puramente voluntária, sem ameaça de força contra quem a rejeitar, o que satisfaz o Princípio da Não-Agressão. Essa ideia é mais bem analisada na revista online do Mises Insitute, em um artigo chamado Vatican City as a Free Society [A Cidade do Vaticano como uma Sociedade Livre]. J. R. R. Tolkien – outro anarquista católico – cunhou a ideia da anarco-monarquia ou da “monarquia inconstitucional”, como a denominava, que é mais um reinado simbólico sem poder governamental com base na força, mas, sim, na liderança voluntária com o propósito de servir ao próximo, muito parecida com a Santa Sé (isso está refletido em seus livros em O Retorno do Rei; além disso, o Condado era seu ideal de sociedade anarquista, ao passo que Sauron reflete o Estado). Isso tudo tem como modelo o reinado de Cristo que depende totalmente do amor, que é a doação voluntária de nós mesmos, incluindo até a nossa obediência voluntária pelo livre arbítrio.
Ainda que certamente não possa unir a Suma Teológica e a Anatomia do Estado em um artigo, permitam-me encerrar por agora de acordo com a citação do juiz Napolitano:
Tudo que faço ou digo é filtrado internamente por meu catolicismo. Fico emocionadíssimo com o número de libertários que carregam rosários em seus bolsos.
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