C A R R E G A N D O . . .

Instituto Libertário Cristão

Lawrence W. Reed & Burton Folsom Jr.

Há quase dois milênios, os atos de alguns dos primeiros seguidores de Cristo em Jerusalém ainda suscitam a alegação de que as raízes do cristianismo são socialistas, comunitárias ou até mesmo “comunistas”. Devemos entender que essa afirmação é espúria, se não blasfema.

Suas fontes são dois trechos do Livro dos Atos dos Apóstolos, do Novo Testamento, capítulo 2, versículos 44–45, que declaram: “Todos os crentes viviam juntos e tinham tudo em comum; vendiam tanto os haveres como os bens e dividiam-nos com todos segundo a necessidade de cada um.” Atos 4:32 declara: “A multidão de crentes tinha um só coração e uma só alma. Ninguém afirmava que algo do que possuía era de sua propriedade, mas compartilhavam tudo o que tinham.”

Muitos à esquerda argumentam que o ensinamento cristão deveria rejeitar a propriedade privada e endossar um sistema socialista de redistribuição de riqueza. Afinal, não é isso que os primeiros cristãos fizeram?

Dê uma olhada mais detalhada nesses trechos em Atos. A disposição “comunal” era voluntária. Não há compulsão e nenhuma menção à única instituição na sociedade que pode empregar compulsão legalmente, ou seja, o Estado.

Atos 2:46 observa que esse grupo de primeiros cristãos “partia o pão em suas casas e comia juntos com alegria e corações sinceros” [ênfase adicionada]. Se ainda possuíam casas, alguns, pelo menos, claramente não venderam tudo. Aqueles que o fizeram trouxeram o dinheiro de suas vendas para os apóstolos, não para qualquer governo — romano ou judeu, secular ou religioso.

Os cristãos veem Deus como o criador de todas as coisas e, portanto, como o dono de todas as coisas. Os seres humanos são administradores da Criação, e as Escrituras nos chamam a usá-la para um bom propósito. É provável, nesse sentido transcendente, que alguns dos primeiros cristãos considerassem sua riqueza material como não sendo, em última instância, deles.

De qualquer forma, o socialismo não é o compartilhamento voluntário de posses. Qualquer pessoa pode escolher fazer isso sob a antítese do socialismo, o capitalismo. De fato, mais filantropia ocorre em sociedades capitalistas do que em sociedades socialistas, e os governos de países capitalistas estão constantemente enviando “ajuda externa” para regimes mais socialistas, e não o contrário.

O socialismo é entendido de maneira mais apropriada como a concentração do poder político com o propósito — através da força — de redistribuir riquezas ou planejar uma economia. Além disso, seu histórico lamentável começa com aqueles primeiros cristãos que escolheram praticá-lo.

O apóstolo Paulo alude pela primeira vez a problemas financeiros entre o grupo de Jerusalém quando descreve uma conversa que teve com seus líderes — Pedro, Tiago e João. Paulo diz: “Tudo o que pediram foi que continuássemos lembrando dos mendigos”, algo que Paulo estava “ansioso para fazer” (Gálatas 2:9–10).

Aparentemente, a igreja de Jerusalém estava no topo da lista dos “pobres”, porque Paulo seguiu seu pedido de Pedro, Tiago e João coletando dinheiro das igrejas cristãs mais recentes em Antioquia, Macedônia e Corinto para enviar aos “pobres entre os santos em Jerusalém” (Romanos 15:26).

Em outras palavras, subsídios dos cristãos em Antioquia, Macedônia e Corinto estavam ajudando a sustentar a empobrecida igreja de Jerusalém. E alguns desses cristãos doadores tinham quase nada para viver, quanto mais para dar. Por exemplo, Paulo descreve como os cristãos macedônios estavam em “extrema pobreza” e ainda assim “deram tanto quanto puderam, e até mesmo além de suas possibilidades” (2ª Carta aos Coríntios 8:2–3). Quão desesperados os cristãos em Jerusalém deviam estar para depender de irmãos e irmãs cristãos vivendo em tal “extrema pobreza”? Não se pode duvidar da sinceridade dos comunitaristas, mas certamente se pode questionar o quanto entendiam bem alguns ensinamentos de Cristo.

Apenas uma vez Jesus ordenou que alguém vendesse tudo, e isso foi quando um governante rico perguntou como poderia garantir a vida eterna. Para demonstrar onde estava o coração do homem (o que Jesus certamente sabia), Jesus disse a ele para vender tudo. O governante se recusou e foi embora. Jesus nunca sugeriu que todos deveriam vender tudo, e certamente nunca endossou a coerção socialista dirigida pelo Estado para realizar isso.

De fato, em sua parábola dos talentos, Jesus reserva os maiores elogios para o homem cuja iniciativa magnificou a riqueza material, e nenhum elogio para o homem que não fez nada para criar valor. Sua parábola dos trabalhadores na vinha oferece uma poderosa defesa do contrato voluntário e da propriedade privada, e sua parábola do Bom Samaritano enaltece o homem que ajuda outro com seus próprios recursos e sua própria vontade livre. Se aquele samaritano tivesse dito à vítima desesperada à beira da estrada: “Espere o governo aparecer e ajudar você”, provavelmente o conheceríamos hoje como o “Bom-para-Nada Samaritano”.

O fato é que, embora alguns dos primeiros cristãos tenham organizado seus assuntos de maneira “comunal”, a maioria não o fez. Nos 20 séculos desde então, poucos cristãos escolheram o caminho comunal, e a maioria que o fez o rejeitou quando inevitavelmente falhou. Os Peregrinos de Plymouth [considerados um dos primeiros grupos de colonos europeus a estabelecerem uma colônia permanente bem-sucedida na América do Norte], por exemplo, passaram fome até que o governador William Bradford adotou a propriedade privada. Experimentos socialistas utópicos na América do século XIX, somando mais de 100 e frequentemente inspirados por visões errôneas da ética cristã, todos fracassaram em poucos anos.

Imagine se Jesus voltasse hoje e falasse para uma multidão, perguntando: “O que você fez para ajudar os pobres?” Apenas os superficiais ou equivocados poderiam dizer que ele ficaria impressionado se alguém levantasse a mão e declarasse: “Votei nos políticos que disseram que cuidariam disso.” Em vez de seguir o exemplo de Bernie Sanders, Karl Marx ou mesmo daqueles comunitaristas primitivos de Jerusalém, cristãos e não-cristãos deveriam lembrar o que o apóstolo Paulo diz na 2ª Carta aos Coríntios 9:7: “Cada um contribua segundo propôs no seu coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama a quem dá com alegria.”

Este artigo foi originalmente publicado na Foundation for Economic Education.


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