Instituto Libertário Cristão
Anthony Davies e James R. Harrigan
Galileu entrou em conflito com a Inquisição, em 1633, quando foi declarado “rigorosamente suspeito de heresia”. Sua heresia? Declarar a visão heliocêntrica do sistema solar: que a Terra gira em torno do Sol. Sua punição foi mais suave que a de muitos outros que enfrentaram a Inquisição. Foi “somente” sentenciado a prisão domiciliar até a morte, em 1642.
Como, às vezes, é o caso, os pronunciamentos da Igreja Católica nem sempre envelhecem bem, e pouco importa se o Papa Paulo V ou o cardeal Bellarmino assumem a culpa.
A Igreja ordenou Galileu a “abster-se completamente do magistério ou a defender essa doutrina e opinião […], a opinião de que o Sol está estático no centro do mundo e que a Terra se move e, doravante, não detivesse, ensinasse, defendesse de modo algum, fosse oralmente ou por escrito”.
Poder-se-ia pensar que estar totalmente errado a respeito de algo bem fora do escopo da Teologia poderia fazer o magistério, e o Papa especificamente, prosseguir com muita cautela, mesmo 387 anos depois. No entanto, estaríamos errados. Eis que vem o Papa Francisco, mais uma vez, a dar opiniões econômicas do mais altivo dos púlpitos sobre algo que entende como um calouro de faculdade.
A mais recente incursão imprecisa do Papa Francisco em economia ocorreu durante a celebração do Dia Mundial da Alimentação, nas Nações Unidas. Ao falar sobre os problemas da nutrição global, o Papa disse:
A luta contra a fome e a subnutrição não cessará enquanto prevalecer exclusivamente a lógica do mercado e o lucro for procurado a todo o custo, relegando os alimentos para um mero produto comercial, sujeito à especulação financeira e distorcendo o seu valor cultural, social e marcadamente simbólico.
Segundo o Pontífice, “a lógica do mercado” mantém as pessoas com fome. Entretanto, “o mercado” não tem lógica. O mercado não é uma coisa, muito menos uma coisa sensível. “O mercado” é a soma total das interações individuais entre bilhões de pessoas. O mercado é a comunidade mundial, a união de bilhões de pessoas, que oferecem e querem coisas que bilhões de outras querem e oferecem.
O mercado é o espaço metafórico em que as pessoas se encontram para trocar. E trocam todos os tipos de coisas, dentre elas, comida. Uma vez que não existe “lógica do mercado”, a lógica das pessoas no mercado é que trocam quando isso é mutuamente vantajoso. E isso é algo que qualquer um preocupado com a fome mundial, e, de fato, até mesmo com a paz mundial, deveria aplaudir. Até a maturação dos mercados – e do capital –, o modo das pessoas obterem riquezas era saqueando e pilhando. Tomavam a riqueza dos outros. Os povos desenvolveram mercados como uma maneira de criar riquezas por intermédio da cooperação com outros.
Sempre que ocorre uma troca, ambos os lados estão melhores porque a fizeram. Sabemos disso porque se assim não fosse, a troca não ocorreria. Essa é a lógica das pessoas que ocupam os mercados.
Não causa surpresa a ninguém, mas talvez ao Papa Francisco, que algumas das primeiras especulações financeiras em que os seres humanos se envolveram diziam respeito a comida. A especulação financeira e seus primos mais desenvolvidos, as opções e os contratos futuros, desenvolveram-se precisamente como meio para aplacar a fome. Há séculos, os fazendeiros incorriam em riscos significativos porque tinham de escolher quais culturas deveriam plantar e em quais quantidades antes que pudessem saber qual seria o preço da colheita. Quanto mais terra o fazendeiro plantasse, incorreria em maior risco.
Se existisse um modo de transferir esse risco para alguém, os fazendeiros poderiam plantar mais alimentos. A especulação financeira resolveu esse problema ao fornecer investidores endinheirados – hoje, nós os chamamos de capitalistas – com capacidade de comprar as colheitas antes de serem plantadas. Se o preço da colheita subisse, os especuladores lucrariam. Se o preço da colheita caísse, os especuladores perderiam dinheiro. O mais importante, os especuladores tiraram parte do risco das flutuações de preço das costas dos fazendeiros e isso possibilitou aos fazendeiros plantar mais alimentos.
Lucros, sejam na forma de pilhas de ouro ou carteiras de dólares, são tangíveis e diretamente mensuráveis. O risco não é.
Qualquer um que não olhe sob a fina superfície das transações econômicas verá somente os dólares e concluirá que os especuladores são meros parasitas que sugam o sangue de fazendeiros diligentes. Que esse alguém não possa ver além da superfície, é compreensível. Que esse alguém seja um papa que tira conclusões morais com base nessa visão míope, não.
Se esses argumentos são demasiado esotéricos para o Papa Francisco, temos, também, uma prova irresistível. A liberdade econômica mede o grau que o governo de um país permite e apoia todos os tipos de mercados, contra os quais o Papa Francisco protesta. Um governo permite um mercado ao refrear a tributação opressiva e a regulamentação desnecessária. Um governo apoia os mercados ao evitar que as pessoas causem danos umas às outras, contendo-as no mundo contratual.
Se listarmos as sociedades segundo a liberdade econômica, emerge, por diversas vezes, o mesmo padrão. Se compararmos outros países, estados ou cidades, as sociedades que são mais livres economicamente exibem resultados sociais e econômicos melhores que aqueles que são economicamente menos livres. O padrão não é válido em todos os casos, mas é tão frequente que até o Papa Francisco deveria ser capaz de vê-lo claramente de seu lugar no Vaticano.
As Nações Unidas definem a pobreza extrema como viver com menos de $1,90 por dia (ajustadas as diferenças dos custos de vida). As taxas de pobreza extrema para metade dos países menos livres economicamente são cerca sete vezes as taxas de extrema pobreza de metade dos países mais livres economicamente.
Figura 1: Fração da População que vive com menos de $ 1.90/dia.
Países de menos (esquerda) para mais (direita) liberdade econômica.
Fontes: Banco Mundial, Economic Freedom of the World, Fraser Institute. Os dados são de 154 países relatados em 2011.
A pobreza simples, segundo a ONU, é viver com menos de $5,50 por dia (ajustadas as diferenças de custo de vida). As taxas de pobreza simples para metade dos países que são menos livres economicamente é cerca de três vezes as taxas de pobreza simples para metade dos países economicamente mais livres.
Figura 2: Fração da População que vive com menos de $ 5.50/dia.
Países de menos (esquerda) para mais (direita) liberdade econômica.
Fontes: Banco Mundial, Economic Freedom of the World, Fraser Institute. Os dados são de 154 países relatados em 2011.
Onde está essa “lógica do mercado” que nos deu fome e desnutrição? Segundo os dados, a fome e a desnutrição estão, com certeza, entre os países que rejeitaram o mercado. O mesmo mercado que o Papa Francisco critica é o mecanismo que tira as pessoas da pobreza.
E, se o mundo ao redor do Papa Francisco não oferece provas convincentes o bastante, o mundo antes do Papa, por certo, o faz. Na virada do século XVIII, cerca de 95% dos seres humanos vivia na pobreza extrema. Estávamos no advento da Revolução Industrial e do capitalismo. Quando os dois se estabeleceram – e um não teria se estabelecido sem o outro –, a população do mundo explodiu. O número de humanos no planeta cresceu exponencialmente de 0,8 bilhão em 1800 para quase 8 bilhões de pessoas hoje. Nesse ínterim, a taxa de pobreza extrema caiu de 95% para abaixo de 10%. Com o desenvolvimento do capitalismo, a taxa de pobreza extrema caiu dez vezes, ao mesmo tempo em que o número de humanos cresceu dez vezes.
Entretanto, nem todos partilharam dessa liberalidade. Onde as pessoas ficaram para trás? Coreia do Norte, Cuba e Venezuela são os que me vem à mente – exatamente os países que partilham o ponto de vista do Papa Francisco de que os mercados são coisas a ser temidas e restringidas.
Figura 3: Fração do Mundo que vive na pobreza extrema.
Fonte: Banco Mundial.
As repetidas afirmações do Papa sobre os males do capitalismo e dos mercados estão mais que erradas. São pecaminosas.
Os países que seguem as prescrições econômicas do Papa Francisco causarão danos diretos e definitivos nos mais pobres e mais vulneráveis. Não culpamos o Papa Francisco por não entender de Economia, mas o culpamos totalmente pela arrogância de utilizar sua autoridade moral para espalhar ignorância.
A Igreja Católica levou 350 anos para reconhecer e retratar-se da demonização de Galileu. Os pobres não podem esperar séculos pela retratação de alguns membros da Igreja por demonizarem o capitalismo e os mercados. Os mercados em funcionamento tiram bilhões de pessoas da pobreza. Isso é tão óbvio que, por mais que Papas não tenham que ser especialistas em economia, eles deveriam conseguir enxergar. Tem o dever, aos que sofrem na pobreza, de fazer melhor. De ser melhor.
Poderia começar por perceber que suas opiniões a respeito de Economia são lamentavelmente equivocadas. É o que qualquer calouro de faculdade aprende. Por amor aos pobres, é hora de o Papa Francisco aprender a lição.
*Este artigo foi originalmente publicado na Foundation for Economic Education.
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