Instituto Libertário Cristão
Randy England
A epístola de Paulo aos Romanos, no capítulo 13, é a prova textual e a fonte para todos os que insistem por uma submissão ao Estado, cuja essência está nos versos de 1 a 7:
Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos. Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá. Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal.
Portanto, é necessário submeter-se, não apenas para evitar a ira de Deus, mas também por causa da consciência. É por essa razão também que vocês pagam impostos, pois as autoridades são ministros de Deus, dedicados a essa função. Paguem a todos o que lhes é devido: impostos a quem impostos são devidos, tributos a quem tributos são devidos, respeito a quem respeito é devido, honra a quem honra é devida.
Paulo aponta que o governante é “servo de Deus para o seu bem” e aconselha seu leitor: “Pratique o bem, e ele o enaltecerá”. Há amplos motivos, contudo, para questionar a bondade do Estado. Considere o governo no tempo de Jesus e de Paulo. Foi o Estado que trouxe sobre nós:
Romanos 13 não distingue abertamente entre os bons governantes e os maus. Os leitores de Paulo estavam presos ao imperador Nero. Sinta-se livre para voltar ao texto acima e substituir o nome de Nero ou do rei Herodes toda a vez que o termo ‘autoridade’ é mencionado. Ou tentemos alguns outros como Stalin, Hitler, ou o atual presidente dos Estados Unidos. É quase cômico imaginar trechos como:
Tenhamos em mente que o apóstolo Paulo estava escrevendo a palavra de Deus, então – tão absurdo quanto esses exemplos possam parecer – deve haver uma maneira para entender Romanos 13 que esteja de acordo com o restante das Escrituras. Até que isso se resolva, podemos, quem sabe, ficar quebrando a cabeça tentando determinar até onde vai o dever para com César.
Muitas interpretações desses versos têm sido apresentadas e ensinadas. Alguns cristãos argumentaram que as “autoridades” (ou “poderes”) em Romanos 13 referem-se apenas aos líderes da igreja; e de forma alguma ao governo. Eles sustentam que as autoridades governamentais (ou “poderes superiores”) referem-se a Deus e a seus ministros e ordenanças apenas, não a governantes terrenos.
Eles dizem que as “autoridades” de Romanos 13 e outros versos podem ser aplicados à líderes sociais de qualquer tipo, incluindo líderes religiosos. Alegam também que, quando Paulo se refere a líderes que “Deus designou”, seria ridículo acreditar que o imperador Nero seja a autoridade (apontada por Deus) a quem Paulo se refere. Veja James Redford, “Jesus é um Anarquista”.
As dificuldades com Romanos 13 diminuem se o leitor puder substituir ‘apóstolos’ a cada menção do termo ‘autoridades’. É preciso admitir que tal leitura evita certas conclusões que parecem irreconciliáveis com a experiência dos Apóstolos e dos próprios primeiros cristãos.
Tal interpretação também está de acordo com o ensino de Jesus “Deem a César”, o qual – como vimos – tinha um significado para os inimigos de Jesus e outro significado para o seu público-alvo. No tempo do imperador Nero, o Estado romano até pode ter ficado satisfeito com as palavras de Paulo, mas os primeiros cristãos não veriam isso como um endosso ao imperador.
Enquanto esse entendimento poderia fornecer um caminho rápido e inovador ao longo da questão de Romanos 13, a compreensão mais comum é a de que o termo ‘autoridades’ se refere àqueles que exercem poder seja da maneira que for. Isso incluiria a autoridade governamental, uma interpretação fortemente sugerida pelo próprio texto. O caminho, portanto, entre render a César e render a Deus pode, em última instância, mostrar-se mais sutil do que uma rejeição geral à autoridade do Estado.
Quando Paulo escreve que não existe autoridade alguma senão aquela instituída por Deus, não significa que Deus tenha ordenado o mal, mesmo que muitos estados e governantes sejam profundamente maus. Ao invés disso, entendemos que Deus – como o Criador – fez tudo o que existe. O próprio Satanás foi divinamente instituído, e cada anjo, cada homem e cada governo que existiu é parte da criação de Deus e de seus planos, a partir dos quais o bem irá, por fim, manifestar-se. Veja CCC ¶ 311-312. Precisamos estar mais atentos a essa ideia à medida que começamos a ver Romanos 13 através de lentes diferentes.
Quando lemos, “Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal”, pode, à primeira vista, parecer impossível aplicar esse versículo aos mesmos governantes que torturaram e mataram Jesus e seus apóstolos. Por outro lado, o versículo é verdadeiro quando visto do ponto de vista dos governantes – os quais dão ordens e chamam isso de “bom”. Eles esperam e aprovam obediência. Se desobedecidos, eles chamam isso de “ruim” e punem o ofensor. Por exemplo, os governantes judeus e romanos proibiram a pregação do evangelho. Desobedecer era considerado uma conduta “ruim” – não do ponto de vista de Deus –, mas do ponto de vista dos governantes. Contudo, os apóstolos não estavam errados em resistir ao Império Romano, apesar de saberem que foi Deus quem autorizou aquele governo e os males que tal governo cometeu. Isso fica claro tanto a partir das escrituras quanto do constante ensino da Igreja (Atos 5:29; CCC ¶ 2242).
*Este artigo foi originalmente publicado no Catholic Libertarians.
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