Instituto Libertário Cristão
Claudio Restani
Bolonha, uma cidade no norte da Itália, é considerada por muitos estudiosos como a cidade universitária mais antiga do mundo ocidental. Sua universidade – a Alma Mater Studiorum – remonta ao ano de 1088. Desde o início, a Universidade de Bolonha especializou-se na análise do direito, especialmente no estudo do direito canônico (o conjunto de leis e decretos relativos ao clero e às questões religiosas). Bolonha tornou-se o lar de juristas famosos que estudaram e analisaram as leis emitidas em Roma pelo Papa.
Mais tarde, durante a Idade de Ouro espanhola, a cidade universitária católica de Salamanca especializou-se no estudo das ciências econômicas, desenvolvendo teorias inovadoras que são consideradas por muitos, como Marjorie-Grice Hutchinson, como os primeiros exemplos históricos da teoria econômica liberal-libertária. O objetivo deste artigo é mostrar a importância que o trabalho dos juristas bolonheses teve no desenvolvimento do “protolibertarianismo” dos teólogos de Salamanca.
Uma das grandes batalhas medievais da Igreja Católica foi a contra a usura e contra várias práticas comerciais consideradas ilegítimas (juros de empréstimos, seguros de comércio, troca de letras de câmbio etc.). Os papas da época emitiram várias bulas que foram objeto de estudo para juristas de toda a Europa, incluindo os de Bolonha. Os principais juristas canônicos bolonheses foram Giovanni d’Anagni, Baldo degli Ubaldi, Giovanni Calderini e Gaspare Calderini.
Dois ou três séculos antes, os juristas de Bolonha começaram a analisar e considerar a economia de uma forma diferente da tradicional, o que, por sua vez, influenciaria a Escola de Salamanca. Isso incluiu pensadores como Francisco de Vitoria, Martín de Azpilcueta, Juan de Mariana e muitos outros. Eles articularam, por causa do desenvolvimento do comércio global devido à descoberta das Américas, um pensamento econômico que pode ser caracterizado como protoaustríaco.
O principal teórico do que também pode ser chamado de “protolibertarianismo” é Martín de Azpilcueta. Azpilcueta, em seu Comentario resolutorio de cambios, tratou do comércio e argumentou que muitas práticas econômicas condenadas pelos líderes eclesiásticos eram realmente lícitas e legítimas. Ele também deu um passo adiante – estudou a natureza do dinheiro e enunciou uma teoria monetária austríaca primordial.
A “revolução libertária” do pensamento econômico provocada por Martín de Azpilcueta tem suas raízes precisamente nos estudos dos juristas canônicos bolonheses anteriores, que no Comentario resolutorio de cambios são citados coletivamente sob o nome de bononienses. Isso demonstra que, em Bolonha, havia uma escola jurídica particular à qual os teólogos salamantinos se referiam para suas teorias. Mas ele não cita simplesmente os juristas bolonheses em geral, ele cita precisamente alguns deles, por exemplo, os já mencionados Giovanni e Gaspare Calderini, Baldo degli Ubaldi e Giovanni d’Anagni (relatado como Johannes Annanias), a fim de justificar suas teses do ponto de vista jurídico. Isso porque esses estudiosos foram os primeiros em seus trabalhos a apontar a legitimidade de algumas práticas comumente consideradas imorais.
De particular importância para Azpilcueta são os Calderini, que são mencionados com mais frequência em seu trabalho do que os outros por várias razões. Como pode ser lido no Comentario resolutorio de cambios, sua obra, Consilia, siue responsa, é citada para legitimar o comércio de letras de câmbio, formas de juros e – o mais importante de tudo – Azpilcueta escreve explicitamente que o fato de que a abundância de dinheiro diminui seu valor já havia sido declarado pelos Calderini. Deve-se notar, portanto, que o trabalho intelectual de Azpilcueta na construção de uma ciência econômica protoaustríaca primordial tem suas raízes nos estudos de juristas bolonheses, especialmente Giovanni e Gaspare Calderini.
Em conclusão, não devemos afirmar que o que Azpilcueta e outros da Escola de Salamanca desenvolveram foi “tirado” dos juristas bolonheses, mas sim que os juristas da Universidade de Bolonha tiveram um papel muito importante na construção do terreno jurídico e intelectual adequado para permitir que seus colegas espanhóis compreendessem e expusessem uma teoria econômica protoaustríaca primordial.
Este artigo foi originalmente publicado no Mises Institute.
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