Instituto Libertário Cristão
Tom Woods & Jay Richards
O artigo a seguir transcreve um episódio do podcast The Tom Woods Show, de 23 de janeiro de 2017, com Jay Richards.
Jay Richards é professor assistente de pesquisa na Escola de Negócios e Economia da Universidade Católica da América e editor executivo do The Stream.
Woods: Você passou por uma interessante mudança na sua carreira desde a última vez que nós conversamos e vem fazendo inúmeras outras coisas. Mas, ainda assim, eu quero falar sobre um livro seu de 2009, mas que é sempre atual. Eu realmente gostei do livro e lamento que, por um tempo, não tenha prestado a devida atenção a ele. Então, eu vou corrigir essa injustiça agora mesmo. Bem, o livro se chama Money, Greed, and God: Why Capitalism Is the Solution and Not the Problem. Eu de fato nunca soube muito bem sobre o que se tratava – e eu nunca me dei conta realmente do quanto eu precisaria dele até começar a lê-lo. A propósito, eu me sinto assim em relação a muitos dos livros que tenho. Se ao menos nós começássemos a lê-los, saberíamos o quanto queremos lê-los.
Richards: Sim, com certeza.
Woods: Você pode me dizer o que o fez afirmar, especialmente devido ao fato de você ter escrito, no passado, sobre tópicos completamente diferentes, “Eu tenho que largar tudo e escrever um livro sobre isso, ou vou ficar maluco”. Falando nisso, essa é a razão pela qual eu escrevo a maioria dos meus livros. Se eu não colocar as coisas no papel, vou ficar maluco.
Richards: Tom, esse é o resumo perfeito do que me levou a isso. Eu estava trabalhando no Discovery Institute, escrevendo principalmente sobre ciência e fé; também estava fazendo algumas coisas com a Acton. Estava tratando de evidências para ajustes finos na física. Mas eu estava em vários campi universitários cristãos e me dei conta de que todas as ideias bem ruins que eu tinha sobre economia em 1985 e ’86 estavam em pleno vigor no final de 1990 e nos anos 2000. Eu cresci e fui para uma faculdade de artes, pequena e muito liberal, no Texas, como estudante de graduação, li o Manifesto Comunista – sabe, fiquei meio que hipnotizado por ele, como os calouros geralmente ficam – e eu achava que os cristãos deveriam ser socialistas. Eu levei os quatro anos de faculdade e muita leitura de pessoas como Thomas Sowell e Friedrich Hayek para perceber que das alternativas disponíveis, a livre iniciativa e a liberdade econômica, essa é de longe o melhor que temos disponível.
Eu me formei na faculdade em 1989; a União Soviética ruiu, e eu pensei, bem, ok, o grande argumento entre o comunismo e o capitalismo ou entre economias centralizadas e as livres foi resolvido pelo veredito da história, assim eu não vou me concentrar nesse aspecto enquanto uma discussão intelectual. Eu fiz um doutorado em filosofia, embora eu estivesse escrevendo sobre outras coisas, e com isso acabei retornando aos campi universitários e percebi que o socialismo é um assunto permanente, e eu acho que isso é assim porque ele apela às intuições morais mais elementares das pessoas. Soa bem para as pessoas enquanto uma espécie de anseio, contanto que não se olhe para ele muito de perto. E, para falar a verdade, eu estava justamente angustiado pelo fato de que os conservadores evangélicos nas faculdades conservadoras evangélicas ainda estivessem flertando com o que deveria ser uma ideia definitivamente morta, a qual faz coisas terríveis sempre que é tentada.
Foi isso tudo o que honestamente me levou a priorizar esse aspecto; mas eu pensei, existem tantos livros bons escritos por pessoas como você, e por outros, sobre a livre iniciativa. Daí eu pensei que o que eu quero fazer é escrever um livro que trate do que o eu achava serem os maiores problemas das pessoas. Agora falando apenas nos cristãos, eu acho que, no geral, se eles são bem orientados, se têm uma consciência adequadamente formada, suas intuições morais são corretas. Mas, com muita frequência, o que eles acabam fazendo é casar suas intuições morais com um entendimento totalmente falho sobre a realidade econômica, o que geralmente é resultado de um ou outro mito intelectual, como o mito do jogo de soma zero ou o que eu chamo de mito materialista, o qual supõe justamente que a riqueza só pode ser transferida, e não criada. Então, se você aceita isso, bem, se Pedro é mais rico do que Paulo, a única maneira que ele poderia ser mais rico é se ele tivesse roubado de Paulo – se você acredita nisso, então vai ver a desigualdade, por exemplo, de forma diferente que veria se você entendesse como o campo da economia de fato funciona.
Assim, eu escrevi o livro estruturando-o ao redor de oito mitos que eu identifiquei; cada capítulo, dessa forma, concentra-se em um dos mitos. Então eu pensei, se conseguirmos desarticular isso tudo, honrar as instituições morais, eliminar as concepções equivocadas sobre economia e substituí-las por algo melhor, essa poderia ser uma maneira produtiva para ajudar os cristãos a considerarem tais aspectos.
Woods: O único aspecto no livro que eu talvez mudasse um pouco é o fato de você fazer referência ao livro de Ronald Sider, Rich Christians in an Age of Hunger —
Richards: Sim.
Woods: — mas eu não tenho certeza se você faz referência à brilhante resposta a Sider, o livro de David Chilton, Productive Christians in an Age of Guilt Manipulators.
Richards: [rindo] Isso mesmo.
Woods: Esse é provavelmente o melhor título de livro que eu já vi.
Richards: É mesmo, na verdade eu li aquele livro e na hora decidi – eu acho que eu o li quando eu estava trabalhando no Money, Greed, and God, e, se me lembro bem, o livro era tão chato que eu cheguei a pensar se era mesmo o melhor caminho a seguir.
Woods: [rindo]. Pois é, quer dizer, com um título desses, é óbvio que é chato. Aquele título acaba comigo.
Tudo bem, é claro, é interessante para nós tocarmos nesse assunto, porque nós dois escrevemos livros que recaem sob esse tipo de gênero. Eu, contudo, tomei um caminho diferente do seu. Eu estava meio que discutindo algo do tipo, “aqui está por que a economia austríaca é uma maneira boa para olhar para o mundo”, e eu estava me dirigindo e realmente falando com o mundo inteiro. É possível ler o The Church and the Market como uma etapa intermediária entre o Economics in One Lesson e o Human Action. Mas eu tinha um público específico em mente. Eram os católicos tradicionalistas – não os católicos esquerdistas. Eu não tenho como alcançar os esquerdistas. Mas sim os tradicionalistas que de certa forma se mostraram favoráveis, bem, “a esse recém-criado livre mercado de vocês, como é chamado, vem do Iluminismo, e sabemos que isso ruim”. E era muito frustrante, porque nenhum deles tinha lido nenhum dos materiais relevantes a respeito, então eu não podia sequer estabelecer um debate, e em meio a tudo isso eu estou sendo excomungado. Essa foi a coisa mais bizarra pela qual eu já passei. Então eu escrevi esse livro tendo eles em mente.
O seu público aqui – ou seja, se você faz referência a Ronald Sider, então você está falando com a esquerda, mas, ao mesmo tempo, eu tenho certeza de que há pessoas em comunidades convencionais e até mesmo em comunidades evangélicas conservadoras que incorporaram, eu acho, aspectos dessa forma errônea de pensar. Afinal, quem é o seu público aqui?
Richards: O público em questão era essencialmente todo ele cristão. O que é engraçado – talvez você não saiba, Tom – é que eu era evangélico quando comecei a escrever o livro e católico na época em que ele foi publicado. Eu sou alguém que se converteu já adulto. Então, por estar na Acton, eu estava familiarizado com muitos pensadores católicos e evangélicos. Eu de fato queria alcançar todos os cristãos que estivessem interessados no problema da economia e da pobreza, mas que não sabem muito sobre economia, assim, eu queria escrever o livro de tal maneira que não fosse óbvio – que fosse amplamente cristão. Eu não queria que fosse classificado como um livro evangélico ou católico.
Mas definitivamente eu não estou pensando nos esquerdistas, mas nos cristãos em geral que são influenciados por fatores de natureza esquerdista. Eu percebi – e citei o Sider; eu também falei muito sobre Jim Wallace, que é um evangélico progressista, mas ele é
Woods: Ah, meu Deus.
Richards: mas ele é lido por evangélicos. Ele é lido em seminários evangélicos conservadores em faculdades. E, portanto, muitas pessoas não percebem. Elas pensam, vou mandar meus filhos para Calvin College ou Wheaton ou para outro lugar e eles ficarão bem. Eles não se dão conta de que, se na verdade falassem com a faculdade, veriam que muitas delas são esquerdistas, pelo menos em economia. Eles podem ser teologicamente ortodoxos, mas definitivamente não o são quando se trata de política e econômica.
Esse é, então, um mercado enorme, e o que eu descobri é que muitas faculdades cristãs e professores de economia frustrados com essa situação acabaram usando o livro juntamente com um manual de princípios de economia nos seus cursos introdutórios – o que é mais ou menos o que eu queria. Eu pensei, ok, não é o caso que a maioria dos jovens tenham feito vários cursos de economia e não tenham entendido como funciona a oferta e a demanda. Eles não entendem nada sobre isso, e assim eles simplesmente são induzidos a erro por conceitos errados. São eles, portanto que eu quero alcançar. Eu acho que, pelo menos no início, o livro é usado amplamente em faculdades evangélicas como parte de um currículo, embora eu saiba que em algumas faculdades católicas, incluindo a minha, eles o usem em diferentes disciplinas – o que, para ser honesto, é a maior aspiração que eu poderia ter para o livro.
Woods: Muito bem, vamos entrar em alguns detalhes específicos agora. Em oito capítulos você trata de oito equívocos diferentes. Vamos selecionar aquele que você considera o equívoco predominantemente mais problemático.
Richards: Definitivamente é o mito da piedade. Na verdade, é possível reduzi tudo a esse. O mito da piedade consiste simplesmente em confundir boas intenções com consequências e resultados. E, é claro, a obra Economics in One Lesson de Henry Hazlitt é toda ela sobre isso. A arte da economia consiste, diz ele, em rastrear as consequências de uma determinada política não apenas para um grupo, mas para todos os grupos. É confuso o que pretendemos fazer, quais são nossas aspirações, em relação aos efeitos reais de uma política ou ação. E, para evitar essa confusão, é preciso aprender um pouco sobre esse domínio.
E eu descrevo: pense na ordem criada como um conjunto de esferas concêntricas que se sobrepõem e se intercruzam, e que têm a sua própria lógica interna. E assim você pode estudar química; você pode estudar física; você pode aprender regras que podem ser identificadas ao se estudar esse campo, e esse é o resultado de uma interação de teorias e de observações. Você pode assim, se tudo der certo, aproximar-se cada vez mais da verdade. Eu sugiro que se pense o domínio da economia da mesma forma. Trata-se do domínio da existência humana no qual as pessoas compram e vendem e trocam produtos e serviços e informação, frequentemente em um contexto de escassez, e, ao estudar isso – primeiramente analisando esse aspecto, como você faz em muitos dos seus livros, analisando como é a ação e compreendendo os incentivos, olhando também para esses detalhes, é possível descobrir os princípios e leis que estão atuando. Não é exatamente o mesmo como na física, mas é possível usá-los para prever o que vai acontecer quando a gasolina faltar na Flórida. São essas as coisas que se aprende. Elas são questões empíricas e teóricas.
Assim, eu digo que todos os cristãos que queiram pensar de forma clara sobre política econômica e problemas econômicos precisam levar em consideração as ideias teóricas e as descobertas empíricas oriundas da economia. Se não agirmos assim, é como se simplesmente tivéssemos decidido que vamos ser bons construtores cristãos de aviões, mas não vamos nos preocupar em aprender nada sobre elevação ou gravidade ou aerodinâmica ou o princípio de Bernoulli. A pessoa deve conhecer a realidade das coisas sobre as quais deseja falar se quer falar sobre elas de forma razoável.
Honestamente, é essa confusão entre boas intenções e resultados sólidos que está na base de todos os problemas. E, assim, com frequência me pedem para fazer palestras sobre esse tópico. Eu chamo de mito da piedade, porque tem a ver com o estado de nossos corações, e como cristãos sabemos que Deus se importa tanto por que fazemos algo quanto com o que fazemos. Esses dois aspectos interessam no reino da moralidade. (Mas) esses dois aspectos não importam quando se trata de economia. É o que fazemos o que importa, e o que não é afetado por quaisquer que sejam nossas motivações. Dessa forma, não queremos nos concentrar na nossa piedade, naquele tipo de sentimento acolhedor que temos em nossos corações. Queremos focar nas reais consequências prováveis ou conhecidas das ações econômicas se de fato quisermos ajudar as pessoas ao invés de prejudicá-las.
Woods: Outro dia mesmo eu recebi um e-mail de alguém que disse, “eu era um libertário, e então encontrei Cristo, e eu agora acredito que você, Tom Woods, está ensinado algo em desacordo com o que Cristo ensina. Jesus é claramente contrário ao capitalismo, dada a maneira como você descreve o sistema capitalista, e eu acredito que você, Tom Woods, intencionalmente ou não, é parte de uma conspiração sombria que remonta há centenas de anos, algo como, no mínimo, remonta aos Illuminati”, como isso tudo fosse uma coisa só. Era uma coisa só. Essa pessoa foi do libertarianismo para a versão mais insana, mais doida, mais bizarra possível do cristianismo que já existiu, então ele exigiu que eu me explicasse e me justificasse. E, sabe, é por isso que existe a tecla deletar. É por isso que ela existe.
Mas vamos dar crédito onde é devido. Essa pessoa levanta uma questão legítima para debate, a saber: nós examinamos os textos bíblicos e o que nós vemos? Vemos muitos versículos sobre o rico e o pobre. Mas o que vemos sobre o estado de bem-estar social ou sobre legislação antitruste ou sobre ciclos econômicos – eu pergunto retoricamente.
Richards: Certo, ou sobre qualquer uma dessas coisas, por exemplo, legislações ambientais. Até mesmo o tipo de locus classicus para o cristão que pensa que o cristianismo é comunismo está nos capítulos iniciais do livro de Atos, onde a igreja em Jerusalém vende suas posses e compartilha tudo em comum. As pessoas olham para isso e dizem que se trata de comunismo. O problema é, preste atenção aos detalhes.
Antes de mais nada, os centuriões romanos não estão confiscando os meios de produção. Trata-se de um pequeno grupo de cristãos voluntariamente dividindo seus bens e compartilhando entre si. De fato, quando Pedro chega e julga Ananias e Safira, e muito explicitamente diz que essas são as pessoas que dizem ter vendido suas coisas e terem-nas dado à Igreja, mas na verdade eles retiveram parte da venda. Ele não disse que as coisas não pertenciam a eles. Ele, na verdade, disse que aquelas coisas realmente pertenciam a eles, mas que o que eles fizeram foi mentir para o Espírito Santo.
E, então, pessoal, quando se está olhando para isso, se se olha para o texto bíblico de forma superficial e se impõem conceitos errados em economia sobre ele, vê-se algo que não está lá. Essa não era uma forma primitiva de comunismo. Antes de mais nada, estamos lidando com uma situação única em Jerusalém. O Pentecostes tinha acabado de acontecer. Você tem milhares de judeus que vêm de todo o mundo civilizado e chegam a Jerusalém e, de repente, se tornam cristãos. E assim você tem cristãos nativos da região dizendo, “O que vamos fazer com todos esses novos irmãos e irmãs?”.
Essa é uma situação de emergência na qual eles decidem vender algumas coisas a fim de prover para seus novos irmãos e irmãs cristãos. Isso jamais foi tratado como uma regra. Paulo não diz para a igreja de Tessalônica ou de Corinto para organizar tudo daquela forma. Na verdade, é muito provável que muitos daqueles cristãos novos tenham acabado retornando para seus lares e trabalhos. Tudo isso está lá no texto, se se olhar para ele, mas se a pessoa pensar, “Ah, eu vejo o ato de compartilhar; eles estão compartilhando coisas em comum; isso é comunismo – se a pessoa pensa nesse nível de generalidade, ela nunca mais entender completamente o que está no texto bíblico.
Agora, eu jamais diria que, se uma pessoa ler a Bíblia, ela vai automaticamente se tornar um defensor do livre mercado. Não é tão simples assim. Eu penso que, como cristãos o que queremos fazer é recorrer a tudo, desde revelação especial, qualquer coisa que conhecemos como cristãos, mas nós também queremos aprender coisas sobre o domínio econômico, as quais simplesmente não são abordadas diretamente nas Escrituras. Isso é não é mais maluco do que dizer, “Olhe, se você é um bom químico cristão, não espera obter uma tabela periódica dos elementos na Bíblia. A Bíblia vai te dar informação e conhecimento; mas não vai dar tudo o que você precisa saber para ser um químico.
Woods: E o aspecto com o qual eu tive que lidar, é claro, com a perspectiva católica em particular, é que as pessoas vão enviar este ou aquele documento da parte dos bispos dos Estados Unidos ou qualquer outra coisa para mim, e vão dizer, “Bem, e quanto a isso?”. E o que eu vou dizeré que existe uma diferença entre propor princípios morais para serem observados e propor os meios técnicos para melhor tentar promovê-los.
Então, por exemplo, as pessoas podem dizer, “Nosso ideal moral é uma sociedade onde a família é apoiada”. Ok, bem, claro. A família é muito importante. Mas daí dizer, “Agora nós também analisamos qual é a melhor maneira de lidar com isso e achamos que um salário digno para um chefe de família é o caminho para fazê-lo”. Agora as pessoas estão longe, longe, longe, longe da fé e da moral.
Agora, você está apenas falando sobre – seria a mesma coisa como se um bispo dissesse, “Nossas igrejas deveriam durar centenas de anos como um testemunho para a atemporalidade de Deus”. Ótimo. Maravilhoso dizer isso. Mas então se ele disser, “Agora, o jeito de fazer isso é usando os seguintes materiais de construção e tal técnica”, a gente iria pensar, “Eu acho que ele pode ter uma opinião se quiser, mas ela não é uma opinião informada, e com certeza eu não tenho que dar ouvidos a isso nesse sentido” – entende, tentar ser respeitoso. Mas você consegue ver o que eu quero dizer? Então é o mesmo tipo de coisa. Se ele quiser dizer “Aqui está um princípio geral”, bom para o princípio geral. Mas a implementação específica dele exige o conhecimento de uma disciplina secular exatamente como a arquitetura exigiria no outro caso.
Richards: Com certeza. Com certeza. E isso relaciona-se diretamente com o bem-estar do ser humano. Foi isso que fez com que eu me interessasse por esses aspectos. Essas não são perguntas abstratas. Se você apoia uma política e na realidade dá a ela uma sanção teológica e acaba prejudicando pessoas, você não está apenas prejudicando pessoas; está também trazendo desgraça e desaprovação sobre a própria fé. E é frustrante – eu sei, como católico estou muito interessando nos princípios do ensino social católico. Eu acredito que eles têm muito a contribuir no que diz respeito à compreensão da condição humana e podem ser usados para desenvolver um tipo de entendimento mais completo de economia política. Mas, infelizmente, clérigos e bispos e papas, com frequência, não sabem onde suas análises da fé e da moral terminam e onde suas suposições sobre a economia realmente iniciam.
E isso me deixa frustrado em algumas encíclicas papais. Não é algo do tipo, ok, aqui está a seção sobre fé e moral e depois aqui está onde o papa emite suas opiniões fundamentadas sobre esses aspectos, as quais estão baseadas no seu entendimento de tecnologia e economia. Não é assim. Na maioria dos documentos da Igreja, eles misturam essas coisas. Assim, mesmo a recente encíclica do papa Francisco, a Laudato Si, embora diga que a Igreja não especifica nem prescreve certas teorias econômicas, ainda assim, o papa, com muita frequência, na mesma encíclica, tem todos os tipos de opiniões científicas e econômicas. Cabe, portanto, a nós separarmos o joio do trigo ou dizer, ok, qual é o ensino magisterial central aqui e qual é a opinião do papa ou dos conselheiros do papa sobre essas coisas.
É difícil, e nós devemos deixar claro que fazer essas distinções não é o mesmo que separar e selecionar os ensinos católicos fundamentais e decidir onde considerar uns e desconsiderar outros. Não é o que está acontecendo aqui. O que está acontecendo é que nós devemos distinguir entre questões prudenciais e empíricas por um lado, e questões de fé e moral por outro.
Woods: Eu tenho que manter essa pessoa o mais anônima possível, então deixe-me dizer apenas que ele é um teólogo que ajudou a elaborar uma encíclica para um certo papa vivo o qual não está realmente reinando como papa no momento – se isso ajuda a limitar.
Richards: [rindo] Sim.
Woods: Ele entrou em contato comigo para me dizer que achava meu livro excelente. Eu tomei isso como uma aprovação; não estou quebrando nenhuma regra por acreditar no que acredito. Esse não é o problema. Tudo bem, temos muitos mitos para abordar. Vamos primeiro agradecer ao nosso patrocinador.
[conteúdo do patrocinador]
Bem, vamos voltar a esse assunto considerando uma questão que eu já enfrentei bastante por ser de centro-direita e por ser alguém que lida com pessoas que são de centro-direita. A queixa deles não é que “o capitalismo me oprime dessa ou daquela maneira”. Tem a ver mais com coisas como “o capitalismo nos dá essa cultura feia e degradada que temos, esse tipo de cultura consumista, na qual nós somos completamente viciados em coisas materiais”.
Richards: Certo. Isso está mais ou menos no final do livro, e é de fato o seu posicionamento – geralmente são os tradicionalistas que fazem essa objeção. Você vai ter esquerdistas, pessoas como Jim Wallis, que de certa forma vão usar esse argumento. O argumento é essencialmente o de que o capitalismo ou a livre economia degrada-nos moral e culturalmente.
Agora, o que é engraçado sobre essa objeção é que ela é mais ou menos o oposto de outra objeção que você vai obter da mesma pessoa. Assim, com frequência vão te dizer que, bem, há muita pobreza que é causada pelo capitalismo. Temos o rico e o pobre. E então quando eles salientam que não, na verdade o pobre, inclusive em economias livres, tende a se sair muito melhor do que até mesmo os ricos em economias pobres, então eles mudam para o outro lado e dizem, bem, o capitalismo faz as pessoas tão ricas e existem tantas escolhas que nós podemos comprar tudo como commodities, o que nos degrada. Afinal, qual das opções? Ou o capitalismo empobrece a maioria das pessoas ou ele nos faz tão ricos a ponto de nos tornarmos materialistas.
Bem, claro, o que eles estão fazendo é ver duas imagens parciais diferentes do sistema. Eu concordo que o consumismo como ideologia é ruim, simplesmente porque é uma forma de idolatria, ou seja: colocar nossos bens materiais em uma posição que eles não deveriam ocupar, ter uma lealdade a eles que deveria estar reservada para Deus. Obviamente, isso é algo ruim. Eu simplesmente contestaria a ideia de que a economia livre – uma economia que tem os direitos de propriedade privada e estado de direito e liberdade econômica – é exatamente o que leva ao consumismo ou materialismo? Eu não conheço nenhum argumento a favor disso.
Eu com certeza não conheço nenhum argumento de que isso leve a uma estética degradada. Tudo o que uma pessoa precisa fazer é visitar, como eu fiz na década de 1980, países da Europa Oriental ou olhar para a Coreia do Norte, se puder, ou para a antiga União Soviética. Esses eram os países socialistas mais dedicados, e você jamais vai encontrar um ambiente estético mais empobrecido.
Eu na verdade acho que basicamente o que está acontecendo em muitos desses países, algo que eu chamaria como críticas estéticas das economias de mercado, é que muitas pessoas, especialmente muitos intelectuais, não gostam das escolhas das pessoas comuns. Intelectuais – como nós. Estou falando sobre nós dois, Tom – nós, às vezes, temos esse tipo de atitude aristocrática. Nós somos pobres; não somos ricos como os aristocratas, mas nós mais ou menos nos imaginamos como tais, e então desdenhamos as escolhas simples das pessoas da classe trabalhadora que estão perfeitamente contentes em irem ao Domino’s Pizza. Essas pessoas acham que é uma boa refeição. E nós reclamamos disso, e reclamamos muito do lixo que é colocado no YouTube.
Nós não percebemos isso, veja, 200 anos atrás quase ninguém tinha acesso à música, portanto as poucas pessoas que tinham acesso a uma música maravilhosa eram os aristocratas que podiam de fato se reunir em uma propriedade, em algum lugar, e ouvir uma orquestra tocar Chopin ou Bach. Hoje em dia, é praticamente de graça. Qualquer um pode acessar música, e qualquer um pode criar música e fazer o upload na Internet, no YouTube. Então, como resultado, quando todos podem fazer algo assim, o tipo de coisa média que se produz não vai ser especialmente boa.
Mas o meu argumento é, olha, certamente há algo a ser celebrado no fato de que mais pessoas se assim elas quiserem – todos se quiserem, contanto que eles tenham uma conexão de internet –, elas podem ouvir todas as músicas mais bonitas que já foram escritas. Elas podem ver imagens da arte mais maravilhosa que já foi produzida. Eu não questiono o sistema que permite que isso seja possível, mesmo se ele também permite que pessoas comuns produzam certas coisas que talvez alguns de nós, com gostos mais refinados, não iriam preferir. Qualquer tipo de sistema econômico e qualquer mudança virão com certos custos e com certos benefícios. E preferiria muito mais ter os custos de uma sociedade livre, incluindo seus benefícios, do que sofrer os custos de uma sociedade na qual essas coisas são excluídas.
Woods: Vamos fazer agora uma espécie de sessão de perguntas relâmpago. Eu vou te dar um tópico, e você tem, digamos, 60 segundos para falar sobre el. Vamos começar com o que você chama de mito do Nirvana. E eu vou explicar o conceito – assim você não terá que perder parte dos seus 60 segundos. Esse conceito é a ideia – ou seja é a falácia – eu não sei foi Harold Demsetz? Alguns economistas da escola de Chicago também usaram esse conceito para afirmar que – os socialistas às vezes usam essa falácia. Eles olham para o capitalismo e veem que ele não é perfeito. Então eles propõem uma sociedade ideal que obviamente é inalcançável por qualquer sistema, o que é muito pior para o capitalismo. Desse modo – você está dizendo que isso também deve ser ouvido nos círculos cristãos.
Richards: Sem dúvida. Com frequência, e de novo, nós nos concentramos nas nossas aspirações. Se nós nos concentramos em ideais irrealizáveis, ao invés das alternativas existentes, o resultado disso é acabar com a opção concreta. Vejamos. Se o Reino de Deus na sua plenitude é o ideal, e então comparamos, digamos, o ano de 2016 nos Estados Unidos com 2016 na Coreia do Norte, bem, a diferença entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos nesse ano é trivial se comparada com a diferença entre os Estados Unidos e o Reino de Deus, onde não há falta ou choro ou morte. Mas não podemos acessar o Reino de Deus dessa forma. Não somos capazes de estabelecer o Reino de Deus na sua plenitude.
Então o que se quer fazer quando se diz – das alterativas concretas, das coisas que podemos de fato realizar pela nossa própria força, qual é a melhor das alternativas? Quando colocamos a questão dessa forma, é óbvia qual é a resposta, que as economias livres, apesar de todos os seus problemas, apesar de todas as suas qualidades não utópicas, são amplamente superiores para fazer as coisas que queremos que uma economia faça do que as alternativas que os seres humanos têm sido capazes de propor. Se você coloca isso dessa forma, você, eu acho, apresenta o argumento de forma realmente clara, com certeza para os cristãos que estão olhando para as evidências.
Woods: Muito bem, segundo: o capitalismo não promove competição injusta? E você se refere a isso como o mito número três: o jogo de soma zero. O comércio exige um vencedor e um perdedor.
Richards: Sim, e isso é comum, porque é intuitivo se você olhar com atenção. Digamos que eu saia e vá comprar uma televisão flatscreen e queira dar uma olhada no Walmart e na Target, e se eu comprá-la na Target, o Walmart não vai me ter como cliente. Vemos isso, então, como competição. E as pessoas que não entendem de economias de mercado vão pensar que isso é tudo.
O que elas não percebem é que o livre comércio, se você analisá-lo cuidadosamente, é uma negociação do tipo vencedor-vencedor. Não é um cenário de jogo de soma zero ou de negociação vencedor-perdedor. Eu conto essa história do jogo de negócios, que eu joguei na sexta série, no qual a professora distribui brinquedos para todos e então deixou os alunos comercializarem livremente os brinquedos entre si. Ela pede para que eles digam o quanto gostaram do brinquedo com o qual começaram o jogo, e depois o quanto gostaram do brinquedo que conseguiram no final do jogo. E, quase sempre, as crianças gostavam mais do brinquedo que elas conseguiram no final, e a razão para isso é porque a professora estabeleceu um sistema de estado de direito1 e disse, “Agora, todos vocês podem comercializar livremente”, e ninguém negocia um brinquedo com outra criança a não ser que queira o brinquedo que a outra criança tem. E é a mesma coisa da perspectiva da outra criança: elas não negociam a menos que queiram o brinquedo que a primeira criança tem. Isso é um ganha-ganha. E o impressionante nesse caso é que se trata apenas de um sistema de estado de direito e de livre comércio propriamente dito, mesmo sem acrescentar nada ao novo sistema, ele realmente pode levar as pessoas a estarem em uma condição melhor, a perceber sua situação como melhor do que era no início.
Isso acontece sempre que vamos ao mercado ou ao barbeiro. Nós nos envolvemos em uma espécie de troca mutuamente benéfica. Mas as pessoas que não pensam sobre essas questões não estão acostumadas a, de fato, analisar esse cenário, então elas apenas veem a parte competitiva de um livre mercado. Elas não percebem as trocas mutuamente benéficas que acontecem todos os dias como algo natural.
Woods: E, por fim, – eu não quero fazer uma pergunta sobre o capitalismo baseada na ganância, porque eu acho que já abordei muito esse aspecto. Não há razão para que a ideia de que as pessoas deveriam fazer trocas voluntárias entre si tenha qualquer coisa a ver com ganância. Essa é uma completa falácia do tipo Red Herring2 e um conceito errado. Mas o que dizer sobre um questionamento do tipo, “Se eu ficar rico, outra pessoa não vai ficar pobre?”. Eu acho que isso se refere ao aspecto dos manipuladores de culpa –
Richards: Refere-se.
Woods: – na verdade, isso faz as pessoas sentirem como se alguém que tem muita grana o tem porque provavelmente ela roubou de um indivíduo do terceiro mundo ou algo parecido.
Richards: Correto, e eu diferencio entre o jogo de soma zero, que eu uso como uma visão da natureza do comércio. Eu chamo isso de mito materialista, eu diria que se trata de um mito sobre a natureza da riqueza. Se alguém vê a riqueza simplesmente como um pote de outro – assim é a nossa economia, existe essa quantidade fixa de riqueza por aí, e se algumas pessoas chegam lá muito rápido, elas pegam mais do que a sua parte justa e deixam menos para os outros. É uma manifestação do jogo de soma zero. Para mim isso teria sentido se a economia fosse como um pote de outo ou uma torta. É exatamente como essa torta, e o melhor que podemos fazer é tentar dividi-la de forma equitativa.
E, claro, isso não é nada parecido com o que são economias saudáveis e reais. Ninguém pensa que o falecido Steve Jobs ficou rico roubando iPods e iPads dos pobres. Não, isso não é verdade. Ele não tirou riqueza da economia e depois simplesmente deu-a a outra pessoa. O que ele fez foi participar de um processo de criação de riqueza, no qual ele criou valor para si e para muitas outras pessoas. É isso o que economias de verdade fazem quando as pessoas negociam entre si, quando elas têm o mínimo de liberdade e de estado de direito que precisam. Nós, os seres humanos, criaturas feitas à imagem de Deus, criamos riqueza e valor que não existia antes, e, portanto, isso significa que Pedro pode ficar impressionantemente rico, mas não significa que ficou rico porque defraudou ou roubou alguém, mas porque fez algo que cria valor para ele e para outros. E isso é uma coisa boa; não uma coisa má. Contanto que as pessoas entendam que essa riqueza pode ser criada ao invés de meramente mudada de lugar, isso evita que nós cometamos muitos erros elementares sobre economia que de outra forma poderíamos cometer.
Woods: Ok, Jay, antes de eu te deixar ir, eu sei que você vem administrando um website – não um site pessoal; mas algo que está para muito além disso. E há vários colaboradores. Trata-se do Stream.org. Fala rapidinho sobre ele. É claro, eu vou ligar o site e o seu livro ao TomWoods.com/831, dado que este é o episódio 831 – é, podemos ver que já faz muitos episódios desde que você esteva aqui pela última vez. Vou ligar tudo à página das notas do show de hoje. Muito bem, então, fale-nos mais sobre o The Stream.
Richards: Com certeza. O The Stream é um esforço que um evangélico chamado James Robinson e eu fizemos por volta de dois anos atrás, cujo propósito é trazer católicos e evangélicos sérios para falar não apenas sobre teologia e apologética, mas também sobre cultura, política e economia. Nós percebemos que há algumas publicações e sites que fazem isso, mas estávamos preocupados com o fato de que católicos e evangélicos tendem a ocupar áreas que de certa forma não se interconectam, exceto por alguns tipos de publicações de elite, como o First Things.
Outra coisa que acontece é que muitos sites cristãos não se concentram em detalhes da economia e da política. Eles tendem a evitar isso. Nós queríamos um site no qual todas essas coisas pudessem ser feitas em conjunto, onde católicos e evangélicos comprometidos poderiam se reunir, levar a sério nossa teologia e a forma como ela se aplica às questões da atualidade. E assim temos vários grandes editores e colaboradores, incluindo John Zmirak, que escreve com muita frequência para nós. Ele é um dos nossos editores sêniores.
Woods: Quer saber? Não deveríamos trazer o John para o show? Por que eu nunca trouxe o John Zmirak para o show?
Richards: É uma boa pergunta, porque você escreveu aquele grande livro, o The Politically Incorrect Guide to American History, e o livro recente dele, também nessa série, é o Politically Incorrect Guide to Catholicism.
Woods: Isso, exato. Sim, sim, sim. Eu deveria – Mas, enfim, eu tenho um segmento limitado de audiência que se interessa pela Igreja, mas eu fiz alguns episódios como o do final de semana como um episódio bônus sobre o assunto, e as pessoas realmente gostaram. Mas o John fala sobre tudo debaixo do sol. Eu poderia trazê-lo – nós poderíamos inclusive falar sobre nomes na lista telefônica –
Richards: Sem dúvida.
Woods: – se as pessoas ainda consultassem listas telefônicas.
Richards: [rindo]. Isso mesmo. E ele na verdade escreve muito sobre tópicos relacionados à economia; sim, ele seria maravilhoso.
Woods: Muito bem, ok. Eu vou tratar disso. Eu o conheci quando morei em Nova York na metade da década de 1990.
Richards: Ah, é?
Woods: É, eu tenho fotos – eu tenho fotos nossas com alguns amigos; nós éramos tão jovens. Eu não sei como o John está agora, mas sei que eu não me pareço mais como antes. Enfim, definitivamente eu tenho que convidá-lo.
Richards: Com certeza. Ele é claro morava em Nova naquela época. Ele é natural do Queens; mas na verdade, neste momento, ele mora em Dallas, Texas, então ele está mais cercado por pessoas com quem ele concorda.
Woods: Ah, ok, porque eu sei que ele estava em New Hampshire – não consigo acompanhar esse cara.
Richards: Sim, exatamente. Ele é dos nossos editores sêniores e um dos nossos mais populares escritores no The Stream.
Woods: Ok, muito bem, sim, ele é engraçado e inteligente. Ok, seja como for, o Stream.org é para pessoas interessadas com certeza conferirem, e é claro o livro sobre o qual temos conversado é o Money, Greed, and God: Why Capitalism Is the Solution and Not the Problem, disponível na Amazon, e eu vou ligá-lo diretamente no TomWoods.com/831. Muito bem, Jay, excelente trabalho. Obrigado por ter vindo; foi ótimo conversar com você.
Richards: Ótimo falar com você, Tom.
Este artigo é uma transcrição do episódio 831 de The Tom Woods Show.
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