Instituto Libertário Cristão
Randy England
Em um artigo anterior, examinamos Romanos 13:1-5, que contém uma linguagem frequentemente citada sobre o dever cristão de obedecer à “autoridade” (seja lá o que isso realmente signifique). As próximas duas linhas (6-7) de Romanos 13 às vezes são vistas como mais uma prova da obediência e honra que todo cidadão deve ao estado. Não precisamos arranhar muito profundamente, no entanto, para ver por que essa é uma conclusão injustificada. Aqui está o mandamento de São Paulo:
Pela mesma razão vocês também pagam impostos, pois as autoridades são ministros de Deus, cuidando exatamente disso. Pague a todos eles o que lhes é devido, impostos a quem os impostos são devidos, receita a quem é devida receita, respeito a quem é devido respeito, honra a quem é devida honra.
Antes de pegarmos nossas carteiras ou começarmos a queimar incenso para a Suprema Corte, parece razoável perguntar quais impostos, qual honra e qual respeito são devidos. Os próprios governantes podem ler a passagem acima como uma homenagem satisfatória às suas majestades, mas a corrente subversiva desse versículo torna-se inconfundível quando se considera a natureza desse estado.
Afinal, o Império Romano era uma sociedade movida pela escravidão humana, governada por um ditador cujo capricho era a lei e cujos subordinados tinham o poder de denunciar, julgar e executar um homem inocente em poucas horas. Nos tempos romanos – como nos tempos modernos -, as demandas do estado soberano eram quase absolutas.
De fato, a justiça pode gritar que nenhum imposto é devido; que as mãos ensanguentadas do governante não merecem respeito; e seus roubos e assassinatos não merecem honra, mas punição. Só um tolo se sente honrado por ter desejado “todo o respeito que lhe é devido”.
Mais de um advogado desavisado – ao discordar da decisão desfavorável de um tribunal – cometeu o erro de lançar seu protesto ao juiz com as palavras: “Com todo o respeito, meritíssimo”. Poucos juízes são tão lentos a ponto de pensar que estão recebendo um elogio.
As palavras de São Paulo lembram o discurso de Bilbo em sua festa de aniversário: “Não conheço metade de vocês tão bem quanto gostaria; e eu gosto de menos da metade de vocês, metade do que vocês merecem” J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis. É difícil distinguir se ele está insultando os festeiros ou fazendo um elogio. Assim como a ordem de Jesus de “retribuir a César” depende do que realmente pertence a César, a ordem de São Paulo de louvar onde o louvor é devido também é ambígua.
Tal como acontece com grande parte das escrituras, os escritos de São Paulo são ricos em múltiplos níveis de significado. Acontece que o apóstolo aparentemente severo talvez possuísse um perigoso senso de humor, bastante capaz de satirizar o rei, como visto na segunda carta de Paulo a Timóteo.
Em 66 d.C., o imperador Nero deixou Roma para competir nos jogos olímpicos e fazer uma turnê musical pela Grécia. Em Olímpia, ele competiu na corrida de carruagem de quatro cavalos. O historiador Suetônio, em Vidas dos Doze Césares, relatou que Nero esticou um pouco as regras quando dirigiu sua própria carruagem com pelo menos 10 cavalos. Nero foi jogado de sua carruagem durante a corrida, mas – sendo o imperador – ele foi pego e colocado de volta nas rédeas. Mesmo com a assistência, ele ainda não conseguiu permanecer em seu assento e desistiu da corrida antes do final. Como ele era o imperador, os juízes o coroaram o vencedor de qualquer maneira. Nero generosamente declarou toda a província um país livre e deu aos juízes grandes somas de dinheiro.
Essa humilhação teria sido uma notícia nova quando o imperador bufão retornou a Roma e não muito depois (segundo a maioria dos relatos) o apóstolo Paulo foi decapitado. Foi pouco antes de sua morte que o apóstolo escreveu sua última carta a seu jovem amigo Timóteo de uma cela de prisão em Roma:
“Um atleta não é coroado a menos que compita de acordo com as regras. (…) [A] hora da minha partida chegou. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Doravante me está guardada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me concederá naquele dia” 2 Timóteo 2:5; 4:6–8
São Paulo havia usado brevemente a metáfora da “corrida” no passado ao descrever a vida cristã, aqui e aqui, mas dado o constrangimento pungente de Nero, Paulo poderia ter evitado prudentemente o assunto das corridas, para que a carta não se tornasse pública (como obviamente aconteceu). Em vez disso, o apóstolo dobrou com palavras que certamente convidariam à comparação com o dia do imperador na pista.
São Paulo diz: “Eu terminei a corrida”. Nero não terminou. São Paulo insistiu que é preciso “competir de acordo com as regras”, mas Nero trapaceou. Paulo aguarda ansiosamente sua “coroa de justiça”. Nero também recebeu uma coroa, mas manchada por zombaria e constrangimento.
Pode haver alguma dúvida de que São Paulo combinou sua despedida agridoce de Timóteo com uma piada mordaz às custas de Nero? Podemos nos perguntar se a carta apressou sua execução, mas o mais importante é a luz que ela lança sobre os escritos de Paulo, que se referem a respeitar e honrar os governantes. Se a Nero era devido respeito por ser apenas o imperador – como Romanos 13 é tão frequentemente lido -, então São Paulo falhou em seguir sua própria regra. É algo a se ponderar quando consideramos o dever de alguém para com qualquer governante ou governo.
Este artigo foi originalmente publicado em Catholic Libertarians.
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