Instituto Libertário Cristão
Ira Katz
Há alguns anos, fui a um jantar em Paris oferecido pela amiga de minha esposa, Sophie. Como uma functionaire (funcionária pública) e com base numa fórmula econômica que considera o tamanho da família e a renda, ela conseguiu reduzir o preço social da moradia. Nesse caso, um apartamento maravilhoso no Canal Saint-Martin. Mas deixemos uma análise das complexidades do socialismo francês para outro artigo.
O que pretendo descrever é a conversa curta que tive com Sophie. Na verdade, ela é professora de filosofia no ensino médio. Esse é outro aspecto da cultura francesa que vale a pena explorar, que todas as crianças têm aulas de filosofia no ensino médio. De qualquer modo, não me recordo os detalhes agora, mas, com certeza, de conversas com minha mulher, Sophie descobriu que eu era cristão e libertário. Ela me questionou diante dos outros convidados, com base no pressuposto de que essas duas crenças fossem incompatíveis. É claro, essa é a confusão comum entre libertinismo, em essência, a liberdade de freios morais e sexuais, e libertarianismo; mas também do cristianismo apenas como um conjunto de restrições morais e sexuais. Minha resposta imediata, parafraseada de uma antiga lembrança, foi algo assim:
Cristianismo e libertarianismo não são, de modo algum, incompatíveis. Jesus é o ponto de partida histórico com relação ao indivíduo e sua liberdade, e isso vale para todos, independentemente de classes, começando, assim, o processo de conversão de escravo a servo e a cidadão. O libertarianismo é a crença política que reflete esse respeito pela pessoa individual.
Lembro que Sophie aceitou essa resposta sem retrucar e estou certo que essa conversa foi esquecida por todos, exceto por mim.
O envolvimento desses dois princípios fundamentais de meu sistema de crenças, filosófico, moral, político, etc. desenvolveu-se ao longo do tempo até hoje. Durante o período formativo intelectual, no final dos meus vinte anos e início dos trinta, li Witness de Whittaker Chambers e Ação Humana de Ludwig von Mises, e ambos foram inspiradores. No entanto, a descoberta de uma resenha negativa do velho Chambers sobre o livro de Mises na National Review fez com que concluísse, assim como Sophie, que havia incompatibilidade entre as visões de mundo cristã e libertária, e deveria dar precedência à cristã. Muitos anos depois, denominei-me “reacionário libertário” para refletir meu ponto de vista de que a liberdade não é a única condição necessária para uma vida ou uma sociedade bem ordenada. Não estava explícito nesse artigo o papel da religião, em especial, da Igreja Católica, por conta do “perigo” de misturar religião com libertarianismo.
Nos últimos meses, minhas reflexões foram muito influenciadas pela leitura da obra magna de Murray Rothbard sobre a história do pensamento econômico. Em particular, por aquilo que, de longe, é mais que qualquer fonte histórica: existe um papel fundamental da filosofia católica, dos direitos naturais, no libertarianismo. Não estou a dizer que em toda a história humana somente por meio de uma cultura católica se produziu uma ética libertária, mas estou dizendo que essa é, em essência, a conclusão de Murray Rothbard. Também contribuiu nas minhas reflexões o blog Bionic Mosquito, com muitas postagens sobre cultura, libertarianismo e período medieval que repercutiram em mim, incluindo essa observação sobre a Europa pré-Reforma que é especialmente relevante.
O período na Europa, antes da Reforma, oferece o que vejo como o exemplo mais duradouro e mais próximo de uma ordem libertária descentralizada que jamais vimos no Ocidente. O que ocorreu desde então não chegou nem perto, certamente em termos de longevidade – não importa o que pensamos acerca do valor da Renascença, do Iluminismo ou do Liberalismo. Pois isso, o período vale a pena ser analisado por quem quer que se interesse por libertarianismo neste mundo.
No início de 2018, um artigo importante foi publicado no LRC por Hans Hoppe sobre cultura, em que havia essa ligação entre cristandade e libertarianismo.
Visto de uma perspectiva macro global, deveria ser óbvio também (especialmente para um libertário) que todos os grandes pensadores libertários, que sucessiva e gradualmente construíram o sistema de lei e ordem libertária, foram “homens ocidentais”, ou seja, homens nascidos e criados em países da Europa Ocidental ou central, ou nos vários territórios e colônias do além-mar, intelectual e culturalmente unidos por uma língua franca comum (outrora latim, hoje, inglês) e a Igreja Católica transnacional, ou, mais recentemente e de maneira mais vaga, um cristianismo comum. Foi nessas sociedades ocidentais que os princípios libertários encontraram a maior e mais disseminada aceitação pública e o reconhecimento explícito como “direitos humanos naturais”. Essas, que apesar dos flagrantes defeitos e falhas, são as sociedades ocidentais, as que ainda se assemelham, mais de perto, comparativamente falando, à ordem social libertária. E, por fim, não surpreendentemente, visto que o reconhecimento disseminado e a aceitação explícita do princípio da não-agressão pelos membros de uma sociedade são sinais de inteligência e de controle dos impulsos comparativamente superiores, essas sociedades são também as tecnológica e economicamente mais avançadas.
Durante o período medieval, a Igreja Católica serviu como uma instituição independente e resistente ao poder governamental centralizado existente. Hoje, é improvável que cumpra esse papel em nossa sociedade ocidental secular, com poderes governamentais hipercentralizados.
A maioria dos escritos sobre catolicismo e libertarianismo que encontrei dizem que católicos podem ser libertários, semelhante à resposta que dei à Sophie; mas agora proponho que, talvez, libertários devam ser católicos, de um ponto de vista filosófico, para alcançar fins libertários. Além disso, é a transformação da cultura atual, uma pessoa de cada vez, que pode ser mais propícia a uma sociedade libertária, que acreditamos ser a ideal para o florescimento da humanidade.
Notei que enquanto fazia pesquisas para este artigo, deparei-me com vários libertários católicos, dentre eles Guido Hulsmann (membro do conselho da Association des économistes catholiques na França), Ryan McMaken do Mises Institute, Tom Woods, que é um famoso defensor católico, Randy England e sua Suma para libertários. Não é novidade que nosso querido anfitrião, Lew Rockwell, seja católico. Não esqueço que existem libertários de outras fés cristãs, um deles, muito conhecido do LRC, é Laurence Vance. É claro que existem muitos libertários judeus, tais como Walter Block. Também menciono um blogger que afirma que o libertarianismo é uma conspiração jesuíta. Suponho que exista alguma verdade nessa alegação, mas como o libertarianismo não é uma conspiração secreta para tomar o poder, e sim uma conspiração aberta para desmontar o poder governamental, acho a acusação um tanto divertida.
*Este artigo foi originalmente publicado no LewRockwell.com.
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