Instituto Libertário Cristão
Francis Mahaffy
Um clérigo que trabalha desde 1945 como missionário na Igreja Presbiteriana Ortodoxa na Eritreia, Africa Oriental, faz ressalvas a determinados pontos de vista de alguns célebres porta-vozes da religião organizada.
Uma das ironias mais estranhas desta geração é a Igreja Cristã ter dado apoio moral ao avanço do socialismo. Isso não quer dizer que a maioria dos cristãos é socialista, mas, em geral, os cristãos apoiaram tanto políticas socialistas quanto intervencionistas que, progressivamente, levaram ao socialismo.
Um fato que deve impressionar o leitor das obras dos teólogos modernos e líderes das igrejas é a ausência quase total de interesse ou de conhecimento de alguns princípios básicos de economia. Na verdade, ficamos com a impressão de que a visão que têm é da Economia como uma ciência puramente secular, cujas descobertas são, portanto, de início, suspeitas. Não estão interessados no secular, mas no espiritual. Um autor inglês, ao discutir o Estado de Bem-Estar Social1, deixa para os economistas o problema da exequibilidade financeira do Bem-Estar. Seu interesse repousa somente na postura cristã em relação a essa nova concepção de obra do Estado. Conclui que o Estado de Bem-Estar está de acordo com os princípios cristãos. Parece nunca ter entrado na sua cabeça que se o Estado de Bem Estar Social não puder oferecer o bem-estar que alega ser seu dever assegurar aos cidadãos, os cristãos devem se opor a ele como um projeto visionário. Não lhe ocorre que a exequibilidade econômica do projeto deve ser uma preocupação primária.
Só podemos ficar aturdidos pela total falta de prova de conhecimento ou de preocupação com os fatos econômicos básicos nos escritos da maioria dos teólogos ilustres de hoje. A postura desses autores e dos cristãos, em geral, parece ser a de que já que os economistas lidam com coisas materiais, isso não pode ser preocupação de uma organização espiritual, a Igreja. Assim, homens de reputação internacional continuam a escrever e exercer enorme influência na cristandade no campo das relações sociais humanas, ignorando a ciência que trata, especificamente, de aspectos importantes desse relacionamento.
Do mesmo modo, a própria menção da palavra ‘capitalista’ ou ‘capitalismo’ e, em especial, do capitalismo laissez-faire, de imediato instiga uma resposta emocional adversa, para não dizer uma hostilidade imediata nas mentes da maioria dos cristãos. Emil Brunner, que é classificado por muitos como um dos opositores mais implacáveis do comunismo, equipara o capitalismo com um individualismo ilimitado e irrestrito que destrói a justiça para o homem comum. Paul Tillich fala de uma guerra de classes como condição secreta de toda sociedade capitalista e diz que “a economia livre necessariamente tende ao imperialismo comercial infinito”.2 Reinhold Niebuhr, em especial nos primeiros anos, via o capitalismo como incompatível com as necessidades da civilização técnica e com um sistema que acarretava superprodução, crises de desemprego e o colapso do sistema de distribuição. Karl Barth sempre foi um dos combatentes mais ardorosos do que chamava de “capitalismo burguês”.
Para muitos, o termo capitalismo evoca os conceitos: explorador, individualista rude, figurão, magnata dos negócios, monopolista – todos com uma conotação particularmente má na imaginação. Oindividualismo é visto como o exato oposto da preocupação social e da fraternidade, hostil ao conceito cristão de amor. Os lucros são contrastados ao serviço, o termo grande negócio é equivalente à exploração e à injustiça. O capitalismo está preocuádp somente com o ganho cada vez maior de dinheiro, ao passo que os cristãos preocupam-se com uma esfera espiritual mais elevada.
Assim, embora os cristãos possam rejeitar completamente o socialismo como sistema hostil à ética cristã, quase enfaticamente rejeitam o capitalismo como materialismo crasso. A postura apologética de muitos empreendedores para com o lucro dá apoio moral a esse ponto de vista.
O capitalismo que é o fruto de uma economia sólida é condenado por muitos cristãos como uma das causas que mais contribuem para o espírito materialista de nossa época. Com o aumento do padrão de vida e a busca por mais confortos materiais a moral faliu no lar, na Igreja e no Estado. Ganância, desonestidade, cobiça, delinquência juvenil, crescente taxa de divórcios, aumento do alcoolismo e do crime são, todos, atribuídos abertamente ou na mentalidade de muitos ao materialismo inerente ao capitalismo. Com o aumento dos confortos materiais possibilidados pelo capitalismo ocorreu a diminuição decrescente de adesão aos padrões morais e, portanto, é pressuposto um relacionamento causal.
Para ser coerentes, os cristãos que chegam a essa conclusão devem advogar o rebaixamento do padrão de vida e a pobreza como cura para essa doença. Muito poucos, entretanto, estão prontos para traçar essa conclusão consistente. Em vez disso, buscam solução na direção marxista. São hostis ao ateísmo de Marx e ao que consideram ser o seu materialismo. No entanto, acreditam que a intervenção do governo a equalizar a riqueza ajudará a eliminar o egoísmo, a ganância e o materialismo. Na apreciação deles, a religião cristã requer altruísmo, amor e o cuidado do próximo. Sentem que isso é mais bem realizado pelo Estado de Bem-Estar Social.
Assim, é essa multidão de cristãos corretos, profundamente preocupados com a vida espiritual da Igreja, que seguem seus líderes verdadeiros na defesa aberta ou, ao menos, sem oposição, a uma socialização progressiva da sociedade. A maior parte deles, sem dúvida, faz isso com a convicção sincera de que, desse modo, promovem o espiritual em vez do secular. Poucos, por certo, os não cristãos, iniciariam uma briga com relação ao desejo de melhorar o bem-estar de todos ou a preocupação de melhorar a moral em geral, relativa ao respeito à autoridade dos pais e à lei. O materialismo, quando é definido como o amor às coisas materiais no lugar do amor a Deus, é algo, por certo, contrário à virtude cristã.
Podemos aprovar a sinceridade de tais pessoas e os fins nobres que almejam. Entretanto, não importam quão determinados possam ser, se o sistema que defendem é incapaz de realizar esses fins nobres, devemos opor, nesses termos, os princípios que defendem. Também pode ser prontamente demosntrado que cumprir tais princípios implica em desafiar diretamente a lei moral revelada por Deus.
Em primeiro lugar, tais pontos de vista envolvem uma falsa antítese entre o secular e o espiritual. Para os cristãos, os bens materiais desta vida devem ser vistos como dons de Deus que têm de ser usados para sua glória. Na Bíblia, o pecado nunca é inerente à matéria, mas, em vez disso, está nos pensamentos e feitos dos homens com fonte no coração mau. Deus nos pôs no mundo que ele criou, dando-nos intelectos e força para utilizar os recursos do mundo para nosso bem e para sua glória. A Bíblia nos diz “fazei tudo para a glória de Deus” (I Coríntios 10,31). Certamente, isso implica que utilizemos os bens materiais em obediência a comandos específicos de Deus. Também implica em emprega-los a serviço do reino de Deus e para nosso Salvador Jesus Cristo. Também implica que mediemos o uso das coisas que Deus criou com uma postura de devoção e adoração a Deus. Quando o secularismo ou o materialismo é definido como o ato de fazer das coisas um ídolo, honrar, amar e servi-lo ao invés de Deus, em vez de usá-las para a glória de Deus, o cristão pode muito bem buscar impedir que isso penetre na Igreja. No entanto, no cristianismo, não há mal inerente nas coisas, nem a posse das coisas materiais é pecaminosa. O pecado do materialismo está em tornar os bens em ídolos que são adorados e servidos no lugar de Deus.
O pensamento dessas pessoas é caracterizado pela falta de entendimento econômico. Essa omissão é grave, e de um tipo que encerra, necessariamente, sérias inconsistências e oposições aos próprios princípios do cristianismo que sustentam. É um erro enorme de compreensão no estudo da Economia classificá-la como ciência secular que lida com a esfera material que não é preocupação alguma do cristão. A economia não lida com os fins últimos do homem. Lida, em vez disso, com os meios que o homem escolhe par obter certos fins e busca demonstrar se esses meios são aptos a obter ou não os fins desejados.3
Por certo, a maioria dos cristãos concorda que a diminuição na mortalidade infantil, o aumento na expectativa de vida, a melhoria progressiva no padrão de vida, a eliminação da pobreza e da miséria são fins consistentes com os ideais cristãos e que apontam para a glória suprema de Deus e para o nosso bem como criaturas de Deus. A questão econômica lida com a questão de se a livre empresa e o governo limitado para a supressão do mal ou se a interferência estatal na economia, o controle governamental e a propriedade dos meios de produção são os recursos mais adequados para a realização desses fins.
A ciência da economia demonstrou claramente que o socialismo é um sistema incapaz de realizar os fins que reivindica como seus. Quanto mais é aplicado de modo consistente, mais a multidão dos homens é empobrecida. Um socialismo mundial total levará ao caos, porque sem a economia de mercado, o cálculo econômico é impossível.4 Ficou demonstrado que o socialismo leva progressivamente à perda das liberdades e à escravidão.5 O cristão que é ignorante em Economia deve opor-se ao socialismo e àintervenção do governo na economia, a não ser para restringir o mal, porque tal intervenção de necessidade envolve desafiar a lei moral. É o uso da coerção para um propósito diferente da restrição do mal que é contrário à lei de Deus. Isso envolve a redistribuição de riqueza, que é roubo. Tem por base a tendência pecaminosa dos homens a cobiçar o que não é seu, em oposição ao mandamento “Não cobiçarás”. Assim, somente em bases morais, o socialismo e o intervencionismo devem ser rejeitados. Neste mundo racional criado por Deus, meios errados significam sempre resultar em fracassos para alcançar os fins desejados. Assim, mesmo os que rejeitam a finalidade da lei moral (em prejuízo próprio) devem rejeitar o socialismo e o intervencionismo porque se mostraram inadequados para alcançar os fins que pretendem.
Os cristãos muitas vezes se opõem ao capitalismo por uma total falta de compreensão do que é o capitalismo. O capitalismo laissez-faire ensina, simplesmente, que os homens devem ser livres, salvo para fazer o mal. A obra do governo é o de polícia, a restrição do mal. O capitalismo tem sido caracterizado como um sistema de liberdade irresponsável, um sistema severo, que não se preocupa com o bem-estar da humanidade. Ao contrário, é o sistema que por si só mais pode beneficiar grande parte da humanidade. São as restrições impróprias à liberdade, juntamente com a repressão inadequada ao mal que levam à pobreza e ao sofrimento de todos.
O capitalismo permite o livre jogo das ideias que, por necessidade, são produtos de inteligências individuais e, por meio das quais, o progresso e o bem-estar de todos são mais bem promovidos. O capitalismo defende o freio ao mal que é o maior impeditivo à felicidade e ao bem-estar de cada um. É o sistema conforme os ideiais cristãos e as ideias cristãs. Promove a maior igualdade de riqueza compatível com a moral e o progresso cristãos. Reconhece a verdade da lei de Ricardo da associação que demonstra que a cooperação pacífica não coercitiva resulta no maior benefício para o fraco e para o forte – com o fraco beneficiando-se ainda mais que o forte. O uso eficiente de nossas várias habilidades na divisão do trabalho na produção capitalista é o fator que usa a plenitude da cooperação na produção em massa para as massas e resulta em preços mais baratos para o assim chamado homem-comum.
O capitalismo é o sistema que por si só permite a liberdade de pensamento, de crítica e de religião. Sob nenhum outro sistema a igreja cristã pode ser livre para propagar ideias. Somente sob o capitalismo os cristãos podem pregar a mensagem cristã de soberania, amor a Deus e obediência a sua lei como meios para a maior felicidade nesta vida e na próxima. É uma ironia fatal que isso tenha levado a igreja a apoiar um sistema contrário aos próprios interesses.
Os cristãos idolatram Karl Marx e o socialismo por um erro absoluto de compreensão. O materialismo de Marx não é materialismo no sentido empregado pelos cristãos. É, em vez disso, a visão completamente insustentável de que as forças produtivas materiais que determinam a estrutura da sociedade e as visões religiosas e outras do homem. O marxismo, sem o ateísmo, é visto como compatível com os ideais cristãos. Isso demonstra a total falta de ciência do fato de que o sistema demonstrou ser totalmente inapto para alcançar os fins e o bem-estar do proletariado, o que está em total desacordo com a moral cristã, e é um sistema que exige, como um dos preceitos, a perda quase total da liberdade e uma ditadura forte. Somente a ignorância do que é o cristianismo e do que é Marx pode levar os cristãos a elogiar esse sistema como ideal.
Os cristãos podem muito bem lamentar o crescente estado de ilegalidade, de desrespeito pelo Estado e pela lei em nossa geração. H.M. Carson diz, “ Um resultado estranho da crescente preocupação do Estado com o bem-estar de seus membros tem sido o crescente desrespeito pelo Estado”.6 Os cristãos voltaram-se para o Estado para assegurar seu bem-estar. Querem manter o Estado forte para subsidiar os trabalhadores menos prósperos, para pagar suas contas médicas, para ampará-los na velhice, para proteger as indústrias mais fracas, para educar suas crianças, de fato, para oferecer bem-estar do berço ao túmulo. A lei foi pervertida do propósito de reprimir o mal para agir na redistribuição de renda para satisfazer um grupo especial de eleitores. Logo, torna-se evidente que o Estado não pode pagar Paulo sem roubar Pedro, e que Pedro e Paulo, ambos, perdem o respeito pela lei que ao invés de conter o mal, o perpetra.
Essa falta de respeito pelo Estado, que não pode substituir a segurança da iniciativa individual e da poupança, é o fruto natural dos princípios do Bem-Estar Social. A lei que perverte a justiça, que a competência para mantê-la não guardará por muito tempo o respeito às vítimas ou aos beneficiários. Esse desrespeito á lei será transferido ao lar e aos filhos, cujos pais perderam respeito pelas leis do Estado, perderão, igualmente, o respeito pela autoridade divinamente constituída dos pais. O próprio sistema que desafia as leis de Deus para igualar a riqueza deverá gerar um espírito de ilegalidade e de materialismo. Com a lei a favorecer um determinado grupo à custa de outro, cada um buscará ser recipiente da beneficência do governo. Isso, e não o capitalismo, é o que gera o espírito de materialismo e ilegalidade.
A solução para os problemas de nossa sociedade não repousa na intervenção crescente do governo, mas, ao contrário, no retorno aos princípios do capitalismo laissez-faire e ao cristianismo. Repousa na adesão dos indivíduos às leis morais e ao Estado. Repousa no governo, não do privilégio especial, mas da lei. Implica no governo da lei que assegura justiça igual para todos e privilégios especiais para ninguém. A lei não dá privilégios especiais para o trabalho ou para os negócios. Uma lei que trata o rico assim como o pobre, o negro como o branco e o cristão como o não cristão. Uma lei que estabelece a justiça com firmeza e igualdade.
Quando os homens são livres para promover e praticar irrestritamente suas ideias, a não ser quando interfirem nos mesmos direitos de outros, e quando o governo restringe-se a operar em conter o mal, então, e somente então, podermos esperar que seja revertida a tendência ao socialismo, à guerra e á pobreza. Quando a igreja cristã e os cristãos aprenderem que a lei de Deus requer liberdade, salvo para praticar o mal ao próximo, e quando virem que os ideais cristãos e o bem-estar de todos é mais bem distribuído por meio dos princípios de um capitalismo laissez-faire bem entendido, será criado um respeito maior pela mensagem da Igreja a respeito da salvação e da vida futura.
*Este artigo foi originalmente publicado na Foundation for Economic Education.
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