Instituto Libertário Cristão
Randy England
Esta é a sexta parte da série Objeções ao Libertarianismo, que está dividida em um total de seis partes. Na parte anterior, abordamos pobreza e caridade.
Vamos começar definindo o que significa dissentir dos ensinos da Igreja. Se o meu bispo ou o bispo de Roma sair e olhar para um céu ensolarado e disser que parece que vai chover, é possível que eu possa não concordar com essa sua declaração. Mesmo se ele incluir sua observação em um documento da Igreja, nenhum católico seria visto como dissidente dos ensinos da Igreja por deixar seu guarda-chuva em casa.
Os críticos acusam os libertários de discordarem do ensino da Igreja no que diz respeito ao alívio do sofrimento do pobre. Qual é o dever de um economista católico – confrontado com a recomendação dos bispos sobre uma política pública que deveria ajudar o pobre – quando esse economista sabe que a política terá o efeito exatamente oposto? A discordância do economista sobre o efeito de uma política econômica constitui uma dissidência do ensino da Igreja?
Tom Woods, em seu livro The Church and the Market, a Catholic Defense of the Free Economy, explica:
“É claro que “dissentir” não é apenas perceber que as relações de causa e efeito que constituem o edifício teórico da economia não são uma questão de fé e princípios. Esses aspectos simplesmente não recaem sob escopo de assunto sobre os quais um prelado católico esteja investido para ter uma percepção ou autoridade especiais…. Trata-se de fatos da vida. Não se pode protestar, contrariar ou admoestar fatos, eles não podem ser protestados, contrariados ou ministrados; só podem ser aprendidos e só se pode agir sobre eles. Não há necessidade de ameaçar o fato de que o controle de preço leva à escassez. Tudo o que podemos fazer é compreender o fenômeno, e nos certificarmos de tê-lo em mente, juntamente com outras verdades econômicas, se quisermos fazer afirmações sobre economia que sejam racionais e úteis”.
Tivesse uma série de papas dito que dois mais dois são cinco, não faria nenhum sentido chamar de “dissidente” alguém que defendesse que, de fato, a soma dá quatro, especialmente uma vez que a matemática não é uma disciplina a respeito da qual foi conferido aos papas qualquer tipo de insight privilegiado. A noção exata de dissidente é obviamente inaplicável em um caso como esse”.
Woods oferece um exemplo real que está na encíclica do Papa Paulo VI, de 1967, a Populorum Progressio, a qual requeria transferências de ajuda do exterior e programas de desenvolvimento sob a orientação do Estado a fim de retirar da pobreza países menos desenvolvidos, uma visão popular depois da Segunda Guerra Mundial. Agora, décadas mais tarde, em com trilhões de dólares gastos em ajuda externa, tais políticas falharam. Woods observa:
“Foram precisamente as recomendações do populorum progressio que mantiveram esses países em relativa pobreza e estagnação. Mais uma vez, portanto, precisamos ter em mente que a aplicação específica dos princípios Sociais Católicos, que consistem em uma questão discutível do julgamento racional baseado nas circunstâncias e fatores contingentes, ao invés de uma questão rigorosa da Doutrina Católica, não pode jamais ligar a consciência católica – em especial, como no presente caso quando um economista experiente sabe muito bem qual será o seu resultado… deve ser permitido aos católicos ter outro ponto de vista caso as recomendações do pontífice estejam prestes a ter o efeito contrário”.
É dissidência que um libertário católico se oponha à taxação forçada de A a fim de entregar os ganhos de A para B? Considerando a elevada opinião da Igreja sobre a propriedade privada – junto com sua proporcionalmente reduzida opinião sobre o roubo – pareceria ridículo fingir que nós, que valorizamos a caridade voluntária em detrimento do Estado de Bem-Estar Social, estamos sendo infiéis ao ensino da Igreja. Mais uma vez, Tom Woods, no The Church and the Market:
“Afirmar que as exigências da caridade cristã estão vinculadas à consciência católica, e que essas exigências devem informar sobre a atitude do homem piedoso a respeito de sua propriedade, é algo muito diferente do que reivindicar ao Estado um direito à interferência violenta em relação ao que um homem faz da sua própria propriedade caso ele seja considerado insuficientemente generoso para com seus semelhantes. Ele terá mesmo é que responder a Deus por sua falta de Caridade para com seu próximo. Mas a afirmação de que o Estado é obrigado a confiscar seus bens, de forma violenta, é a mera expressão de uma opinião”.
“Ninguém na igreja tem o direito de me dizer o que pensar sobre assuntos econômicos, políticos e sociais.
… me deixem em paz e cuidem dos seus pedaços de terra”.
(Dorothy Day)
Enquanto os católicos aceitam o ensino da Igreja em aspectos referentes à fé e princípios, os papas em grade parte recusam-se a impor soluções aos problemas práticos. Isso nunca foi tão verdadeiro quanto em relação ao ensino social da Igreja. O Papa Pio XI escreveu no Quadragesimo Anno que há limites àquilo que os teólogos da moral podem dizer na esfera econômica, pois “a ciência moral e econômica, cada uma delas, emprega seus próprios princípios na sua própria esfera”. A Igreja, escreveu ele, “de modo algum pode renunciar ao dever que Deus confiou a ela para intervir com sua [da Igreja] autoridade, não, é claro, no que se refere à técnica para a qual ela não está devidamente equipada nem vocacionada de ofício, mas em todas as coisas que estão ligadas à lei moral”.
Como o Papa Paulo VI explicou no seu International Theological Commission, em 1977:
“A teologia, contudo, não pode deduzir normas políticas concretas unicamente de princípios teológicos… [E]ssas teorias devem ser testadas a fim de se verificar seu grau de certeza, uma vez que elas com frequência não são mais do que conjecturas e não raramente abrigam elementos ideológicos explícitos ou implícitos que se assentam sobre suposições filosóficas ou sobre uma antropologia errônea. [E]ssas [teorias] não alcançam um grau maior de verdade simplesmente porque a teologia as usa em suas explicações.”
O Papa João Paulo II observou, na sua encíclica Centesimus Annus, que, no que tange a soluções práticas, “a Igreja não tem modelos a apresentar”.
Dorothy Day compreendeu que seria melhor deixar os problemas concretos que envolvem a ajuda aos pobres com aqueles que trabalhavam na área. Ela escreveu a respeito da “tremenda liberdade que há na Igreja, uma liberdade que a maioria dos católicos de berço parecem não saber que possuem”. Ela compreendeu seu direito de retaliar quando religiosos se intrometiam fora de suas áreas de expertise e autoridade:
“Ninguém na igreja tem o direito de me dizer o que pensar sobre questões de natureza econômica, política e social sem ter como resposta algo do tipo: por favor, me deixa em paz e cuida dos teu pedaço de terra; eu vou cuidar do meu”.
Esta postagem termina a série em seis partes sobre as objeções de críticos católicos ao libertarianismo.
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